COMO
DEPOSITÁRIO INFIEL
SUMÁRIO: 1. O tema.
2. Aplicabilidade da prisão ao depositário judicial.
3. Confronto entre o CPC vigente e o anterior.
4. Delimitação da controvérsia. 5.
A chamada “prisão administrativa”. 6.
Necessidade da ação e do procedimento específicos.
7. O problema da legitimação ativa.
8. Medidas judiciais independentes da ação de depósito. 9. A posição do Supremo Tribunal Federal.
10. Prisão civil e estabilização jurisprudencial.
11. Conclusões.
1. Vem-se progressivamente firmando
na jurisprudência
nacional, embora em colisão frontal com a mais autorizada doutrina sobre
o tema, a tese da legitimidade da prisão civil do depositário
judicial infiel,
independentemente da propositura
da ação de depósito e da observância do correspondente procedimento. Essa
tendência jurisprudencial já era perceptível
sob a égide do antigo Código nacional de processo civil e não se
modificou na vigência de seu homólogo de 1973. Mais: com o advento da súmula
e dos mecanismos de unificação da jurisprudência,
a orientação pretoriana em
referência parece claramente
vocacionada à
progressiva estabilização.[1]
Assim é que, já no início da década de 80, o Tribunal de Alçada
de Minas Gerais propunha como tema para debate no VI
Encontro Nacional de Tribunais de Alçada enunciado resultante de sua
Uniformização de Jurisprudência
nº 1, cujo teor merece transcrito por representar
um perfeito resumo da tese:
“PRISÃO DE
DEPOSITÁRIO JUDICIAL INFIEL—DISPENSABILIDADE DA AÇÃO DE DEPÓSITO.
“Para
a decretação da prisão do depositário judicial infiel, de
conformidade com o art. 1.287 do Código
Civil, é dispensável
a movimentação da ação especial de depósito,
que é destinada à
configuração da infidelidade nos casos de depósitos decorrentes de contrato.
“No
depósito judicial, a infidelidade é
verificada em procedimento
incidente da própria execução, sendo
o depositário intimado para
devolver a coisa ou seu valor, ou provar estar escusado
de fazê-lo, pois se trata de simples medida coercitiva para compelir
o auxiliar do juízo a restituir a coisa
objeto da constrição
judicial, que fora confiada
à sua guarda, naquele mesmo processo.” [2]
O
enunciado, resumo excelente da tese, põe clara a legitimidade da expedição de mandado de prisão nos próprios autos do
processo em razão do qual se fizera
o depósito,
com dispensa, portanto, dos trâmites
previstos para a ação especial de depósito.
A esta se atribui a
finalidade exclusiva de servir como instrumento à apuração
da infidelidade, apuração
que, em
se tratando de depósito
judicial, poderia ser feita por via
mais singela e expedita. E a prisão não seria mais do que “simples” medida
coercitiva para compelir o faltoso à restituição.
Com efeito, o tema em foco representa um curioso
exemplo de divórcio entre a opinião
dos doutores e a interpretação pretoriana. Tem
sido sempre majoritária na doutrina, a ponto de alcançar a quase unanimidade,
a tese oposta à da emenda transcrita; esta, de sua vez, tem congregado ao longo
do tempo, também por maioria amplíssima,
quase todos os tribunais do
País. Essa intrigante bifurcação de caminhos constitui motivo a mais para que
se insista na investigação profunda das razões da disceptação e, inclusive,
para um corajoso exercício
de humildade
e de autocrítica a que juiz
algum se deve furtar, mais do que nunca quando se pode suspeitar de alguma espécie
de deformação profissional.
2. Não se trata de questionar se a excepcional sanção reservada
ao depositário infiel é ou não aplicável àquele que exerce ofício
ou encargo
judicial. Quanto
ao ponto,
não ocorrem divergências. Há
um depósito, classificável como
necessário porque
decorrente de imperativo
legal, e não há duvidar de que a
prisão civil seja imponível, em geral, a
todo depositário faltoso,
independentemente da natureza e da origem do depósito.
Verdade
é que
o vigente Código de
Processo Civil não contém nenhuma disposição equivalente ao art. 367, parágrafo
único, do Estatuto similar revogado—onde se aludia, mesmo
en passant, ao depósito judicial,
e fixava-se a competência do “juízo da execução” (como se só o procedimento executório
pudesse dar
lugar ao
depósito judicial!) para as providências relativas à entrega da coisa
depositada. Mas não se há de supor que a omissão da lei nova signifique
imunidade do depositário judicial às sanções a que se sujeitam os demais
depositários. Ao contrário, há boas razões para afirmar-se, como efetivamente se tem
afirmado, que o especial caráter público do depósito em tela justifica
rigor até
maior na imposição da prisão.
3. A fim de prevenir
possíveis equívocos, importa
deixar claro que a tese da
inadmissibilidade da ordem de prisão expedida nos próprios autos do processo,
sem a propositura
e os
trâmites da ação de depósito, não guarda relação alguma com o fato
de não haver feito menção à espécie o atual código de processo, nem,
portanto, com o problema da
hipotética lacuna legal.[5]
Na
verdade, a aludida tese assenta
sobre bases que
tanto se ajustam aos termos do atual quanto aos do revogado Código. Não
é por falta de específica previsão legal da prisão do depositário judicial
que se a afirma incabível sem o procedimento próprio da ação de depósito,
mas pela imprescindibilidade
da obediência ao devido processo legal—tanto quanto em qualquer caso,
ou ainda mais neste por
achar-se envolvida a liberdade pessoal.
Substancialmente,
a diversidade normativa entre o sistema abolido e o da atual legislação
codificada está em que inexiste, hoje, regra correspondente precisamente ao parágrafo
único do art. 367 do CPC de 1939.
Portanto, ausenta-se
do Código vigente qualquer
referência legal ao depósito judicial, que
no regramento anterior era mencionado apenas para explicitar-se que “no depósito
judicial, a entrega do objeto será requerida no juízo da execução”. Ora,
à parte a insuficiência e impropriedade (porque
o processo de execução não é o único em que se
pode realizar depósito),
essa regra do parágrafo, complementar
à do cabeço em que se determinava o
conteúdo da inicial da ação de depósito,
introduzia tão-somente uma
regra de competência, fixando a do juízo “da execução”. Anote-se,
a propósito, que
essa mesma norma fornecia um
poderoso argumento à tese de que ainda aí se tratava de ação de depósito, e
não de mero incidente do processo no qual se constituíra o depósito: se esta
última fosse a solução eleita pelo legislador, a regra de competência seria
desnecessária e redundante, pois o
suposto “incidente” não
poderia ser movimentado, como é da
natureza dos incidentes, em
outro juízo que não o do processo a que aquele estivesse subordinado.
Estamos, pois,
perfeitamente dispostos a
admitir que
não há lacuna e que o conjunto das regras do atual CPC, no que importa ao objeto deste
estudo, não discrepa de seu
homólogo no estatuto revogado, sem
que tal constatação, porém,
influa de
qualquer modo sobre nosso
antigo e firme convencimento quanto à indispensabilidade da ação de depósito
para a expedição do decreto de prisão,
também quando
se trate de depósito
judicial.
4. Antes de penetrar mais a fundo no problema, convém
estabelecer algumas premissas relativamente às quais se pode identificar razoável
grau de consenso.
É
indiferente, para os efeitos aqui contemplados, ser o depositário um servidor público
stricto sensu,
exercendo em caráter
permanente e profissional a função, ou um particular nomeado especialmente
para desempenhá-la em determinado processo (como, v.
g., na ação cautelar de arresto, o demandado investido no encargo de
depositário do bem arrestado). Em qualquer dos casos, atua ele como órgão
auxiliar da Justiça (de ofício ou de encargo,[6]
segundo se cuide da primeira ou da segunda hipótese), e o tratamento que lhe há
de ser dispensado em caso de
infidelidade independe de tal distinção. O discrime que possa ocorrer,
ou diversidade de soluções, só diz
respeito a medidas
administrativas e disciplinares imponíveis
ao auxiliar de ofício segundo a legislação própria, quiçá inaplicáveis ao
servidor de encargo. Mas o ponto é
evidentemente estranho ao
tratamento processual do
problema.
A atenção dos juristas tem-se voltado sobretudo
para o processo de execução e, no âmbito deste, particularmente para a hipótese
de ser
o bem penhorado confiado
à guarda do próprio
devedor-executado. Essa
eventualidade, admitida
pela legislação atinente (art.
666 do CPC, antes art. 945 do Código de 1939),
configura, hoje sem dúvida possível, verdadeiro depósito,
convergindo na pessoa do devedor as qualidades de executado e depositário.[7]
Sem embargo dessa concentração de atenções sobre uma hipótese
específica, não se há de perder de vista que a solução do problema em tela
só pode ser a mesma para ela ou para qualquer outra em que se configurem
o depósito judicial e a infidelidade, seja ou não depositário o
executado, cuide-se ou não de procedimento executório. Trata-se de variável
exterior e contingente, que em nada pode afetar os critérios para o
equacionamento e deslinde da quaestio
iuris.
A situação mais simples, que não erigiria
embaraços maiores à aplicação das regras pertinentes à ação de depósito,
foi figurada, ainda na vigência do CPC de 1939,
por Jorge
Americano: o depósito é
judicial, mas existe já ordem também judicial no sentido de
ser a res
deposita entregue a uma
ou outra parte, ou mesmo a terceiro.[8]
Em tal caso, legitimado à propositura da ação é “a parte
a quem
houver sido reconhecido o
direito ao levantamento do depósito”.[9]
A própria determinação judicial de entrega define por si mesma quem seja a
pessoa qualificada a receber a
coisa e, pois, a propor a actio depositi
directa.[10]
Mais espinhosa é a busca de solução para o caso em que o depósito
judicial ainda não se resolveu em determinação de entrega a quem
quer que seja, mas apura-se
que o depositário já não detém a coisa, ou a oculta,
ou recusa-se a exibi-la ou entregá-la para a
realização de algum
ato do processo (avaliação,
transferência para o depósito público, vistoria e
outros que tais). Este é, por excelência,
o ponto de inserção da controvérsia
que ora nos ocupa: defendem
uns que tudo se deve resolver no plano administrativo, impondo o juiz ao depositário
faltoso os rigores da sanção civil, sem
maiores formalidades, por
simples ato de autoridade; a
corrente oposta, à qual nos
filiamos, tem por inadmissível a imposição de pena tão
drástica sem se haverem
antes percorrido os trâmites todos da ação de depósito. Aqui, uma vez mais,
impende buscar critérios capazes de
solucionar de modo igualmente satisfatório qualquer das hipótese, dado o
caráter manifestamente acidental
da aparente diversidade.
A essas considerações, some-se o que ficou dito
a propósito da identidade substancial entre o regime legal vigente e o do
estatuto processual antecedente, para não se empreender a tarefa vã de buscar
nas inovações legislativas efetivamente ocorridas as coordenadas do deslinde.
Todas
as ponderações
que vêm de ser expendidas
voltam-se para o objetivo de organizar e orientar a discussão de modo a
assegurar que a solução encontrada seja capaz de efetivamente cobrir toda a
variada gama de hipóteses
que se podem dar, sem que as distinções entre
elas bastem à justificação de
resultados diferenciados. Com efeito, na
medida em o resultado explique alguma das hipóteses mas não todas, será
insuficiente.
5. A dificuldade
(quiçá impossibilidade) de
identificar um
legitimado à propositura da demanda tem sido o argumento mais forte para defender-se a idéia da assim chamada “prisão
administrativa”. Como seria inconcebível
que o próprio órgão
jurisdicional assumisse o papel de autor, e o prejudicado talvez nenhum
direito subjetivo tenha a
exigir a entrega da coisa, resultaria
inviável, por falta
de quem a promovesse, a ação
de depósito. Por isso, ao juiz
caberia, mediante simples requerimento do interessado, nos próprios autos do
processo em que se constituiu o depósito, interpelar
o depositário para a entrega do bem, decretando-lhe a prisão se
desobedecido. Tudo isso
se fundaria nos
poderes ordinários de direção do processo executório, sem julgamento
de cognição em estrito sentido: a atividade aí
desempenhada pelo magistrado situar-se-ia no mesmo plano daquela
de declarar injustificada
resistência do executado (CPC, art. 600),
impor ou relevar a pena correspondente (art. 601), expedir ordem de
arrombamento e outras semelhantes.[11]
Essa atividade
judicial, de resto,
voltar-se-ia menos à proteção
de um interesse privado de qualquer das partes do que ao interesse público da preservação da autoridade do juízo e
do bom e rápido andamento
do próprio processo. A
desnecessidade da ação de depósito decorreria então e em última análise
da natureza
não-contratual do depósito em
causa.
Também por isso, a prisão, no caso, nada mais é
do que providência coercitiva, situada nos lindes
do poder de condução do
processo assegurado ao juiz, para compelir o
depositário ao correto cumprimento
de seu dever processual. Mais, as formalidades e delongas decorrentes do
processamento da ação de depósito
não seriam compatíveis com
esse escopo de proteção do interesse público, embora se pudessem explicar
quando, nos casos de depósito
contratual, se cuidasse tão-somente de
assegurar a tutela de interesses privados.
Já
se vê que a tese envolve uma premissa necessária,
nem sempre
claramente explicitada por
seus expositores, mas imprescindível
à conclusão: a ação de
depósito de rito especial,
regulada pelos artigos 901 e
seguintes do Código de Processo Civil, acha-se
instituída exclusivamente
para abrigar as pretensões de direito material à restituição defluentes de
contrato, nos
estritos limites da esfera obrigacional,
de direito privado. Quando o depósito for de Direito Público, ou no mínimo
quando for judicial, os caminhos procedimentais serão outros,
reduzindo-se a
atividade judicial a uma sumária e
incidental investigação dos
motivos da “infidelidade depositária”.[12]
Outra idéia
implícita é a de menor dificuldade de verificação dessa infidelidade
nos casos de depósito judicial. O
descumprimento dos deveres inerentes ao
depósito não demandaria,
para sua apuração, mais do que
essa sumária investigação. Ou
isso, ou o depositário judicial,
por alguma razão que não se esclarece – talvez por
configurar-se uma sorte de contempt of
court ao modo da prática anglo-americana—mereceria
menores oportunidades
de defesa.
Por
esses motivos todos, sempre que se tratasse de depósito realizado
nos autos de um processo, a ordem de
restituição, como a cominação
de prisão e a própria execução desta, nada
mais haveria de reclamar do
que um provimento judicial emanado dos próprios autos em que o depósito se
constituíra, após
verificada com
igual informalidade e ligeireza a ocorrência de infidelidade.
Ao invés de constituir
objeto de um processo autônomo
(o da ação de depósito), essa
problemática toda seria
apreciada e resolvida no âmbito de um simples incidente processual.[13]
6. Como já ficou referido, a proposta de dispensa da ação de depósito para o decreto
de prisão é freqüentemente prestigiada pela jurisprudência e eventualmente
alcança algum apoio
da doutrina, mas tem contra si a opinião quase unânime
dos comentadores do Código
de 1939 e, hoje, a dos analistas do
vigente estatuto processual.[14]
Com excelentes motivos.
Com efeito, o decreto de prisão
“administrativa”, como se usava dizer nos julgados, expedido dos próprios
autos da execução (ou – supõe-se – de outro processo em que se tivesse
realizado depósito) carateriza uma nova modalidade de constrição pessoal, não
prevista em lei e não precedida de qualquer das garantias e oportunidades de
defesa asseguradas pelo sistema jurídico, ou sequer da possibilidade
de pôr-se em dia o depositário,
nos prazos e formas prescritos, com sua obrigação de restituir. Ora, se o
Direito Constitucional só autoriza
a excepcional constrição pessoal “na forma da lei”, não há como
admiti-la por qualquer modo que não se
cinja rigorosamente aos limites e condições legais.
Aí se tem de compreender – na expressão “na forma da lei” – não
apenas a caracterização do depósito
e da infidelidade do depositário segundo o direito material,
mas também os trâmites igualmente
definidos em lei para que a
prisão chegue a ser realizada
sem infringi-la. Estamos, aí,
em pleno terreno da liberdade
pessoal, onde não podem caber larguezas de interpretação ou
a dispensa de formalidades cuja razão não está na forma em si, mas na garantia a que ela serve. Aliás, é deveras
surpreendente que em tal matéria haja preponderado na jurisprudência
interpretação menos liberal do que a preconizada una
voce pela doutrina: juízes e tribunais, aparentemente, sobrevalorizaram a
importância da autoridade
(própria!) no confronto com
a liberdade.
A “forma da lei” a que aludia a ressalva
constitucional (no texto de 1967)
é também
a forma procedimental,
que sempre expressou, em tema de ação de depósito, a clara preocupação de
erigir garantias contra o arbítrio, inclusive o judicial.
É de todo
ponto inaceitável
o argumento segundo o qual a “prisão
administrativa” estaria
compreendida entre os poderes de
repressão normalmente atribuídos
ao juiz. Estes poderes –
como aqueles lembrados pela doutrina adversa – de punir o devedor cuja conduta
se revela maliciosa e outros
semelhantes são
poderes expressamente outorgados pela lei,
o que de modo algum
ocorre em relação ao suposto poder de prender o depositário ou ameaçá-lo
de prisão sem proporcionar-lhe oportunidade de defesa na
forma da lei e não
em alguma outra pelo próprio juiz criada, indefinida e variável segundo
as praxes e o humor de cada um. Aliás, os invocados artigos
600 e 601 seriam o lugar adequado para dar-se ao
juiz o poder de
decretar nos próprios autos a
prisão do executado depositário, se estivesse nas cogitações do legislador a
outorga dele. Restaria indagar,
porém, onde se iria buscar a autorização para o draconiano decreto
quando o depositário não fosse o executado, ou mesmo quando não se tratasse
de processo de execução. Como, de resto, irrespondida perdura a questão sobre
como e com que elementos se
haveria de construir o procedimento do “incidente processual”
de verificação da
infidelidade e decretação da prisão civil.[15]
Não impressiona, outrossim, o argumento segundo o
qual a prisão seria “simples
medida coercitiva para compelir o auxiliar do juízo a restituir a coisa objeto
da constrição judicial”.[16]
Deixando passar sem comentário
o cândido adjetivo (que o encarcerado certamente não aprovaria) cabe observar,
no mínimo, que esse apontado objetivo é sempre o de qualquer prisão civil,
pois não se trata, por hipótese até, de
punir, mas de motivar o paciente ao cumprimento de um dever jurídico. Nada de
novo ou de particular diferencia a hipótese tratada de qualquer outra.
Tem-se sugerido, outrossim, que o emprego da ação
de depósito só se faz necessário quando se cuida de relação contratual. Mesmo sem penetrar-se no exame da vexata quaestio da
natureza da relação
jurídica de depósito
judicial, tema a cujo respeito os juristas
estão muito distantes do
consenso,[17]
estaria ainda por provar-se que a actio
depositi directa acha-se
instituída apenas para
os casos de depósito contratual. O que se pode extrair
da boa lógica e
da experiência dos povos é
precisamente o oposto:[18]
a ação de depósito é a senda processual adequada para compelir-se à
restituição o depositário, independentemente da origem do depósito.
Como
antes já analisado, a inexistência no texto normativo atual de disposição
equivalente ao antigo par. único
do art. 367 do CPC de 1939 não configura lacuna da lei e, a rigor, em
nada alterou o sistema. Ocorre que, na perspectiva em que nos devemos colocar, com
vistas ao problema considerado, a questão da disparidade entre a nova e a velha
lei é de todo irrelevante.
A decretação da constrição pessoal sem as formas e trâmites da ação de
depósito, segundo pensamos haver
demonstrado, era tão inadmissível
à luz do Código revogado quanto continua a
ser na vigência do atual. A propósito do tema,
portanto, nada há que
discutir quanto a lacunas da lei. O que há de realmente
novo no diploma
vigente, e torna ainda mais gritante, sob sua égide,
a ilegalidade da prisão dita “administrativa”,
é a abolição, em boa hora operada, da prisão liminar
que o direito caduco autorizava, logo após decorrido in
albis o prazo do referido art. 367 e antes mesmo de se vencer o de contestação.
Hoje, o decreto de prisão in concreto
só se pode expedir quando, contestado
ou não o pedido, haja sentença de procedência da
ação de depósito,
cabendo ainda lembrar que dita sentença é apelável com
efeito suspensivo. Foi estabelecida pelo sistema vigente, como necessária,
a seqüência pedido-(resposta)-sentença-ordem
de entrega-prisão. Essa é, no
âmbito do processo, a “forma da lei” a que
se acha
adstrito o decreto de prisão.[19]
Esse é, para o caso, o devido processo legal.[20]
Com efeito, mesmo por inexistir qualquer outro, só o da ação de depósito
pode ser o “devido processo
legal” assegurado pela vigente Constituição Federal em seu art. 5º, inc.
LIV, onde, aliás, vem expressa, mais enfática do que nunca e mais clara do que
nas Cartas anteriores, a referência à privação
de liberdade como rigidamente
condicionada àquela garantia.
À luz do que vem de ser
exposto, sequer ao
legislador seria lícito, sem
incidir na pecha de inconstitucionalidade, autorizar o juiz a decretar qualquer
prisão sem observância do processo prescrito em lei. Com maioria de razão,
ilegal e inconstitucional há de ser a conduta do juiz que, sem autorização legislativa
alguma, ordene tal prisão.
Não
vemos sequer como aderir à sugestão de distinguir entre o
depositário de ofício
(funcionário regular e permanente da Justiça)
e aquele de encargo (especialmente
designado para servir em determinado processo), para o efeito de somente
quanto a este último, mas não
em relação àquele outro, considerar-se indispensável a
propositura da ação de depósito.[21]
Não procede o argumento segundo o
qual, a exigir-se também quando o
depositário seja auxiliar de
ofício a via da actio depositi,
resultaria o juiz impotente para fazê-lo cumprir seu dever. Ao juiz é vedado,
sim, fazer prender o depositário, inclusive
nesse caso, fora da via
procedimental adequada; não lhe é proibida, porém, a adoção
de outras providências
disciplinares e correcionais que o Direito Administrativo lhe ponha à mão.
Pode punir, ordenar busca,
substituir o depositário, suspendê-lo
das funções—mas não pode prendê-lo, como
não poderia prender o escrivão que sonegasse
os autos ou o meirinho que
se recusasse a cumprir um mandado.
As
formalidades e delongas da ação
de depósito
são, ademais, as mesmas,
qualquer que seja a espécie de depósito.
No fundo, quando se quer
dispensar delas o juiz da execução
relativamente ao depositário judicial, o que está por trás disso é o
zelo e a pressa em punir aquele que ousou desrespeitar uma ordem judicial.
Mas, se o juiz não dispõe de
autoridade para apenar com tal
presteza e desenvoltura infrações até mais graves
cometidas por auxiliares
seus (v.
g., apropriação pelo serventuário de dinheiros recebidos das partes
para recolhimento
de tributos ou emolumentos devidos ao erário), devendo limitar-se à adoção
de medidas administrativas e comunicação ao Ministério Público, não se
justifica que, nessa especial hipótese, decretem-se prisões à margem da lei.
Aliás, seria de perguntar-se: e se o depositário não
for o executado? E se o
processo em que se constitui o depósito nem mesmo for de execução?
Como explicar-se a diversidade de tratamento diante de infrações
substancial e objetivamente idênticas?
7. Do ponto de vista técnico, óbice realmente grave à solução aqui sustentada é o
relacionado com a legitimação
ativa, para alguns juristas motivo
único e suficiente para o descabimento da ação de depósito na hipótese.[22]
Com efeito, ou a parte interessada na entrega da coisa depositada,
mesmo inexistindo ordem de
entrega a seu favor, propõe a ação – e aí a
dificuldade em identificar nela a legitimatio ad
causam – ou ter-se-ia de imaginar o absurdo de figurar como autor o próprio
órgão jurisdicional. Esse
problema, a bem da verdade,
nunca foi encarado
frontalmente pelos escassos
julgados filiados à orientação aqui defendida,
nem aprofundaram sua análise com a desejável proficiência os comentadores
que, estes em grande número, a ela prestam apoio. A dificuldade é grave, mas não
intransponível. Para superá-la, basta que
se veja com maior
largueza de vistas
o conceito de legitimação para a causa, formulando-se para ela um
conceito menos rígido e limitado que o corrente
– este, como é consabido, já insuficiente para muitos outros efeitos – de
identidade entre os figurantes da relação de direito material, de um lado e os
da relação jurídico-processual, de outro.
Com efeito, se
a ação é “o pedido de um sujeito dirigido ao Estado, para que se lhe
reconheça um
bem em relação a outro
sujeito”,[23]
se precisa supor
que o “bem” perseguido se traduza em forma de posse ou propriedade da
coisa corpórea envolvida no litígio. A integridade, a conservação e a
disponibilidade para o juízo da coisa
judicialmente depositada são, por si mesmas, um
bem jurídico suficientemente relevante para
a parte, apto a merecer
a tutela no processo em que se fez o depósito, ainda que a mesma parte não
tenha (na penhora, por exemplo) ou
só hipoteticamente possa ter (como no seqüestro) direito ao domínio, posse ou tença da coisa.
Se o
depositário judicialmente
nomeado se torna remisso, ofende
direito subjetivo de ambas as
partes a que o bem permaneça íntegro, acessível e custodiado. Ofende,
também, é claro, o interesse público do Estado-juiz (nesse
passo coincidente com o privado das partes), mas essa é matéria para
sanções administrativas e quiçá penais às quais se há de chegar por
caminhos outros que não
os do processo civil.
Há,
pois, interesse
de direito material em grau
suficiente para legitimá-las a agir, utilizando-se do procedimento especial
prescrito. Esse raciocínio implica
admitir-se, o que não
ofende os princípios, que a
“restituição” da coisa depositada não se há de fazer sempre e
necessariamente ao autor da ação. Seja com vistas à garantia da futura entrega do bem a uma das partes,
seja na perspectiva da simples segurança do juízo, há evidente
interesse (de direito material, repita-se)[24]
da parte na segurança e integridade do bem corpóreo. Ora, o interesse em
sentido substancial, este sim, confunde-se com a legitimatio ad causam, de
sorte que por essa via se identifica a
legitimação ativa para a ação de depósito.
Do
exposto se
tira que
essa última objeção, sendo
certamente a mais séria que se pode
opor à nossa
tese, não afasta a
admissibilidade da ação de
depósito ainda quando este
seja judicial.
Proscreva-se, pois, por desnecessária quando não por arbitrária, a
decretação “administrativa” da prisão civil
nos próprios autos em que se realizou o depósito.
De resto, se a tal conclusão não se pudesse chegar pelos caminhos da
boa lógica, a inadmissibilidade da
actio depositi directa deveria
conduzir à inaplicabilidade, na
hipótese, da constrição pessoal,
nunca à sua imposição sem observância do devido processo legal
e pela via da construção, à margem da lei, de um esdrúxulo
procedimento incidental.[25]
8. Não importa
isso em condenar-se a praxe, salutar e útil, de buscarem os juízes soluções
outras para o problema da infidelidade do depositário, desde que não conduzam
a uma prisão ilegal. É possível fazer intimar o depositário para
apresentar a
coisa, quando se saiba ou suspeite de infidelidade.
Mas aí mesmo se deve deter a iniciativa judicial, sem passar
da simples
e pura intimação: nenhuma cominação
de prisão deve acompanhar essa
interpelação; a
eventual desobediência, à parte as repercussões nas esferas penal e
administrativa (a serem tratadas evidentemente fora
do processo civil),
apenas ensejará a propositura, por parte interessada, da ação de depósito.
Aquelas providências, de resto, são cabíveis sempre que haja depósito
judicial, não apenas no processo de execução – único de que cuidam –
aparentemente por ser só esse que lhes proporciona argumentos razoáveis – os
defensores da malfadada “prisão administrativa”.
Compreende-se
facilmente a
resistência dos juízes a
essa idéia: o empenho justificável
em assegurar a pronta e efetiva
responsabilização do depositário faltoso, inclusive a bem da preservação da dignidade e seriedade da
função jurisdicional, parece apontar, como solução preferível, a apenação
sumária, severa e imediata nos próprios autos. Mas o que realmente resguarda e
engrandece o prestígio e a respeitabilidade do Poder Judiciário é
a rigorosa
e exata
aplicação da lei, e
sobretudo a desvelada proteção e
escrupuloso respaldo às liberdades e garantias individuais. É assim que
se impõe respeito, sem necessidade de infundir temor.[26]
9. Em grande parte, a predominância da tese mais rigorosa
no seio dos pretórios nacionais talvez se possa atribuir ao enorme poder
de imantação exercido sobre estes pelo Supremo Tribunal Federal. Com efeito, a
matéria sempre se resolveu, no Pretório Maior, preferencialmente no sentido de
admitir-se a prisão civil sem ação de depósito.[27]
Veio
o Pretório Maior, em data mais recente, a sumular o entendimento predominante,
sob nº 619. Desde então, é claro que
trabalha a favor da tese sumulada a força da inércia, sendo improvável a
reversão da jurisprudência em tal quadro. Ainda assim, continuaremos a
sustentar, insistentemente ainda que talvez inutilmente, que só uma concepção
autoritária da atividade estatal e, por via de compreensão, da função
jurisdicional, pode justificar tal opção. Não deixa, aliás, de ser
surpreendente que a redução a Súmula tenha sobrevindo precisamente no início
de uma quadra histórica em que se renovavam as esperanças de um melhor equilíbrio
entre os princípios da liberdade e da autoridade.
Outrossim,
a adoção da tese mais rigorosa não parece afinada com o espírito das inovações
introduzidas pelo vigente Código de Processo Civil, evidentemente informado
pela preocupação de amenizar a situação do réu em ação de depósito e
acrescer-lhe garantias. Com efeito, todas as novidades identificáveis na
comparação desse diploma legal, quanto ao tema, com o estatuto processual
revogado a toda evidência, denotam
esse propósito. Lembremo-las:
a) A cominação de prisão, como o correspondente
pedido, tornou-se
facultativa,
de sorte que a prisão civil já não constitui ato necessário do
procedimento especial (art. 902, § 1º).
b) Não se opõe restrição alguma à matéria de
defesa de que se pode utilizar o demandado, dada a amplitude do art. 902, § 2º.
c) O procedimento ordinário – que evidentemente não
se pode enxertar no bojo de um
processo de execução sob a forma de simples incidente – deve ser adotado
sempre que contestada a ação (art. 903).
d) Mesmo após
o julgamento da ação de depósito, e mesmo tendo sido requerida e
cominada a prisão, somente após expedido e descumprido
o mandado
de entrega
cabe a efetivação da constrição pessoal (art. 904 e seu parágrafo).
e) Não se incluindo a sentença de procedência da actio
depositi entre as apeláveis com efeito só devolutivo (art. 520), o mandado
de entrega, que necessariamente
precede o de prisão, só se pode expedir depois de transitada em
julgado a sentença.
Algumas
dessas importantes
inovações haviam
sido detectadas e postas em destaque,
antes mesmo da vigência do
atual CPC, em estudo excelente
do ilustre magistrado Francisco
Negrisollo, apresentado ao
III Encontro de Tribunais de Alçada do Brasil,
realizado em Porto Alegre no ano de 1973.[28]
Detidamente as analisamos, uma
a uma, em exame particularizado dos correspondentes dispositivos do CPC.[29]
10. Naturalmente, merece o maior respeito a corrente jurisprudencial
predominante, até mesmo por ser
amplamente majoritária e contar com o
beneplácito do Pretório Máximo. Uma última ponderação, contudo,
continua a fazer-se necessária.
É
por isso
que nos animamos a reiterar aqui a opinião alhures externada,[31]
no rumo
da inconveniência da adoção de súmula,
ou qualquer outra medida estabilizadora da jurisprudência, por tratar-se
de tema ainda mui vivamente controvertido
e caraterizado por
tão radical e inusitado divórcio entre a doutrina e a jurisprudência
agora sumulada.
Pode-se, aliás,
observar que, no seio mesmo do Supremo Tribunal, a estabilização
resultante da súmula 619 vem criando certos embaraços, obrigando a Corte a
formular distinções e ressalvas determinadas por peculiaridades
dos casos
concretos. Assim
é que foi necessário explicitar ser cabível a prisão somente se o
depositário dispôs da coisa
depositada “ex voluntate
propria e
sem autorização
prévia do
juízo da
execução”;[32]
que, em caso complexo
como o do sócio que se afastou da gerência sem comunicar o
fato ao juízo, descurando de manter o depósito sem dolo mas talvez com culpa,
a prisão não se deve decretar sem antes proceder a uma “instrução
sumária”;[33] que,
sobrevindo falência do devedor depositário,
em cujo comércio estava envolvido o bem depositado, a decorrente
indisponibilidade exime da prisão.[34]
Ora, é bem de ver-se que, em
qualquer dessas
hipóteses, envolvem-se
questões de fato que com maior segurança e
eficiência seriam apuradas na ação de depósito
do que em um
indefinido e vago procedimento incidental,
cujos prazos, termos, formas e garantias não se sabe quais sejam.
Objetivamos,
com essas referências,
evidenciar isto: ainda que
se haja de admitir a tese oposta à aqui sustentada, não se afigura prudente,
em tal matéria, a fixação de súmula. A
continuidade da polêmica em torno do tema e a gravidade das suas implicações
no plano da liberdade pessoal certamente a desaconselham.
11.
Concluímos, pois, que
(Setembro
de 1994)
AMERICANO, Jorge. Comentários ao Código de
Processo Civil do Brasil. 2ª
ed., São Paulo, 1960.
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do III Encontro de Tribunais de Alçada, Porto Alegre, 1973.
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Processo Civil,
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THEODORO JR., Humberto. Comentários ao Código de Processo Civil, v. IV. Rio de Janeiro,
1978.
––.
Processo cautelar. 5ª ed., São Paulo, 1983.
––.
Processo de execução, 5ª ed., São Paulo, 1979.
[2]
Conforme transcrição nos Anais do VI
Encontro de Tribunais de Alçada, p.
158 (Belo Horizonte, Tribunal de Alçada de Minas Gerais, 1984).
[3]
Para mencionar
apenas a
literatura mais
divulgada, podem-se
consultar, sobre o tema, Amílcar
De Castro, Comentários
ao Código de Processo Civil (de
1939), v. X, t. I, p. 244; Carvalho
Santos, Código de Processo
Civil Interpretado, v. V, p. 85; Jorge
Americano, Comentários ao Código de Processo Civil do Brasil (2ª ed., 1960),
v. 2º, p. 367; Pontes de Miranda,
Comentários ao Código de Processo
Civil (de 1939), t. V, p. 434 e
441; Machado
Guimarães, Comentários ao Código de Processo Civil, v. IV, p. 650;
Amorim
Lima, Código de Processo Civil Brasileiro
comentado, v. II, p.
243; Sebastião de Souza, Dos processos especiais, p. 92.
De Plácido e Silva
(Comentários ao Código
de Processo Civil, v. III,
p. 102) admite que a jurisprudência predominava no sentido oposto,
mas não a endossava.
[4]
A identidade de soluções pode
ser conferida, v. g., em Pontes de Miranda, Comentários
ao Código de Processo Civil (de 1973), t. XIII, p. 70;
Clóvis Do Couto e Silva, Comentários
ao Código de Processo Civil, v. I,
t. I, p. 62; Celso
Agrícola Barbi, Comentários
ao Código de Processo Civil, v. I, p. 607-8 (2ª ed., 1981);
Ernani Fidélis dos Santos,
Comentários ao Código de
Processo Civil, v. 6, p. 49; Humberto
Theodoro Jr., Processo cautelar,
p. 221. Merece atenção,
entretanto, a opinião contrária, com argumentação deveras
impressionante, de Eli
Alves Forte: “A ação de depósito como incidente da execução”,
in
Revista de Processo, nº 28, p. 96.
[5]
Partiu dessa suposição um muito bem trabalhado acórdão da 2ª Câmara Cível
do TARS, da lavra do ilustre
magistrado e jurista Mílton Dos
Santos Martins, demonstrando
com precisão e brilho, mas sem pertinência, a inocorrência de lacuna
(in Athos
Gusmão Carneiro,
O novo Código de Processo Civil nos tribunais do Rio Grande do Sul e Santa
Catarina, t. III, p. 767 e
s.).
[6]
Sobre essa distinção, v., por todos, Moacyr
Amaral Santos, Primeiras
linhas de Direito Processual Civil, v. I, p. 116 (1977).
[7]
Cf. Liebman, Processo de
execução, p. 129, refutando
Carnelutti, Lezioni,
v. 2,
nº 245 e 268; Frederico
Marques, Manual de Direito Processual Civil, v. 4,
p. 164;
Salvatore Pugliatti, Esecuzione
forzata e diritto sostanziale, p. 159 e 161.
[8]
Comentários ao Código de Processo Civil, v. 2º, p. 366.
[9]
Id., ib.
[10]
Observe-se que, mesmo aí, já se pode identificar
certa anomalia da
legitimação: essa pessoa nem
sempre será
aquela que deu em depósito
(o autor de uma ação consignatória, por exemplo). O legitimado à
demanda já não será o depositante, mas é ainda o titular da pretensão
ao recebimento da coisa, como tal reconhecido pelo ato judicial.
[11]
Aproximadamente nessa linha, Caio Mário
da Silva Pereira,
Instituições de Direito Civil,
v. III, p. 245 (escrevendo ainda sob a vigência do CPC de 1939).
[12]
A locução não de criação nossa: vem sendo freqüentemente empregada em
julgados do Pretório Excelso.
[13]
Sobre o conceito de incidente e a
distinção entre esse e o da ação, cf. Antonio Scarance
Fernandes, Incidente
processual, p. 41. Posição
particularmente curiosa,
na doutrina, é a de Antõnio Carlos Costa e Silva, que não apenas sustenta tratar-se de incidente como constrói
para ele todo um procedimento, com
prazos e ritual próprios (Tratado do processo de execução, v. 2º, p. 878).
[14]
Retro, nota 3. De
resto, os pretórios, embora
realmente mais se inclinassem àquela solução, nunca desampararam de todo
a tese contrária: cf. TJRS,
in
Boletim ADCOAS, 1971/657; TJSP, in Revista dos
Tribunais nº 344, p. 441; id.,
in Boletim ADCOAS, 1973/23.179; in
Revista Forense, v. 205, p. 213; TJPR,
in Revista dos Tribunais,
v. 394, p. 306. Cf.,
outrossim, já na vigência do atual Código, as lições de Araken
de Assis, Comentários ao Código de
Processo Civil, v. IX,
p. 268; id., Manual do processo de execução,
v. I, p. 418; Humberto
Theodoro Jr., Comentários
ao Código de Processo Civil, v.
4, p. 412; id., Processo de execução, p. 289-291 (7ª ed.); Paulo
Furtado, Execução, p. 212.
[15]
Já se viu que, a tal propósito, existe sugestão na doutrina
(retro, nota 12),
mas sem qualquer embasamento legal.
[16]
Conforme texto antes transcrito da ementa do TAMG.
[17]
Tenha-se presente, em todo
caso, que também o depósito judicial
deita raízes no direito material obrigacional, e necessariamente
conserva deste traços importantes. Cf.,
sobre isso, a atilada análise de Araken
de Assis, Manual do processo de
execução, v. I, p. 412-415.
[18]
Cf. Pontes de Miranda, Comentários
ao Código de Processo Civil (de 1973),
t. XIII, p. 70.
[19]
A doutrina é uniforme quanto ao ponto: cf. Couto
e Silva, Comentários, v. e t cits., p.
72; Sahione Fadel, Comentários ao Código de Processo Civil, v. V, p. 27; Paulo
Restiffe Netto, Garantia fiduciária,
p. 327-328;
id., “A nova ação
de depósito”, in Revista Forense,
nº 246, p. 325 e s.; Jorge
Magalhães, Processos especiais no novo Código de Processo Civil, p. 73; Barbosa
Moreira, Comentários
ao Código de Processo Civil, v.
V, p. 453 e s. (5ª ed.);
Fabrício,
Comentários ao Código de
Processo Civil, v.
VIII, t. III, p. 161 (5ª
ed.), Humberto Theodoro, Processo
de execução, p. 297 (5ª ed.); id.,
Processo cautelar, p. 221 (4ª ed.); Vicente
Troiano Neto, “O depositário infiel no processo de execução”, in
Revista da
Associação dos
Magistrados do Paraná, nº
19, p.367. Vozes dissonantes são apenas as de Ernani
Fidélis, Comentários e v.
cits., p. 49-50, e Nélson Hanada,
Ação de depósito, p. 85-86,
quanto a alguns aspectos do problema.
[20]
Sobre a abrangência do conceito de due
process of law e sua enfática
consagração constitucional, cf. Nagib
Slaibi Fº, Anotações à
Constituição de 1988, p. 208 e
s. e, sobretudo, Adhemar
Ferreira Maciel, “Due process of law”, in
AJURIS, nº 61, p. 37 e s.
[21]
A proposta é de Ovídio Araújo
Baptista da Silva, Procedimentos
especiais, p. 93-94.
[22]
Assim, v. g., Ernani Fidélis,
Comentários e v. cits., p. 49.
[23]
O enunciado, primoroso em síntese e precisão, é de Galeno
Lacerda, Despacho
saneador, p. 89.
[24]
A incapacidade de fazer a precisa distinção leva a conseqüências
teoricamente desastrosas, como a confusão entre possibilidade
jurídica do pedido e interesse de
agir. A Ernani
Fidélis dos Santos, por exemplo, pareceu impossível a legitimação
do credor, relativamente ao depósito do bem penhorado,
porque só
viu o interesse de
credor propriamente dito, em sentido de direito material,
e não o de exeqüente-penhorante
(Comentários e v. cits.,
p. 50). A relevante distinção é antiqüíssima e clara:
cf. Chiovenda,
Instituições de Direito
Processual Civil, v. 1º.
p. 178; Carnelutti,
“In tema di
legittimazione ad agire per accertamento di simulazione di un contratto di
riassicurazione”, in
Rivista di Diritto Processuale Civile, 1932, II,
p. 93; Ugo
Rocco, Derecho Procesal Civil, p.
156; James
Goldschmidt, Derecho Procesal
Civil, p. 97; Amaral
Santos, As
condições da ação no despacho saneador, p. 21 e 64;
Vittorio Denti, “Intorno
ai concetti generali dei processi di esecuzione”, in
Rivista di Diritto Processuale, nº 13, 1955; Machado
Guimarães, “Do interesse à simples declaração”, in
Estudos de Direito Processual civil, p. 163-164.
[25]
Essa a conclusão, já referida e solidamente fundamentada, de Eli
Alves Forte (retro, nota
4, in fine), no sentido de que a ação
de depósito é incabível e, portanto, também inadmissível na espécie a
prisão civil.
[26]
Curiosamente, os
constitucionalistas, a quem o
tema deveria interessar particularmente, passam por ele au vol d’oiseau. Alguns sequer tocam o ponto; v. g., J. Cretella Jr.,
Comentários à Constituição de 1988, 1º v., p. 561-563,
e Roberto Barcellos
de Magalhães, Comentários
à Constituição Federal de 1988, 1º v., p. 74-75. Outros alinham-se com a jurisprudência dominante, mas sem
sequer citá-la e sem emprestar
à tese qualquer outra fundamentação;
assim, Celso Ribeiro Bastos,
Comentários à Constituição
de 1988, v. 2,
p. 310, e Pinto
Ferreira, Comentários
à Constituição Federal de 1988, 1º v., p. 196.
Aparentemente no sentido
do texto, Wolgran Junqueira
Ferreira Comentários à Constituição de 1988, 1º v., p. 229, citando
texto de Washigton Barros Monteiro,
Curso de Direito Civil, v. V, p.
253, que por sua vez sustenta a imprescindibilidade da actio depositi.
[27]
V. g., Revista Trimestral de
Jurisprudência, nº 63, p. 624; Revista
Forense, nº 99, p. 641; Rev. Trim.
de Jurisprud., nº 85, p. 97. Os
dois julgados citados são da 2ª Turma,
que, entretanto, também decidiu em outra oportunidade que não
afronta a Constituição nem a
jurisprudência da Excelsa
Corte a aplicação da
tese oposta (Rev. ult. cit., nº
74, p. 571). Mais recentemente, HC
71.038, 1ª Turma,
15/03/94, DJ de 13/05/94, p.
11.339; RHC 66.614, 2ª
Turma, 13/09/88, DJ
de 30/09/88, p. 24.986; RHC 64.399, 2ª Turma, 19/09/86, DJ
de 10/10.86, p. 18.928.
[28]
“Da ação de depósito no contrato de alienação fiduciária”, Anais
do III Encontro de Tribunais de Alçada do Brasil, p. 113 e s.
[29] Comentários ao Código de Processo Civil, v.
VIII, t. III, p. 156 e s. (6ª
ed., 1994). Cf., outrossim, os
importantes estudos de Paulo Restiffe
Netto, citados à nota
19.
[30]
“A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio
processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de
ação de depósito.”
[31]
“Prisão do depositário infiel: ilegalidade da prisão decretada fora da
ação de depósito”, in Anais do VI Encontro de
Tribunais de Alçada, p. 158 e s.
[32]
HC 71.038, 1ª T., 15/03/94, DJ de 13/05/94, p. 11.330.
[33]
HC 68.609, Pleno, 01/07/91, Rev. Trim.
de Jurispr., nº 137/1, p. 277.
[34] HC 63.823, 2ª T., 09/05/86, DJ 13/06/86, p.
10.449.
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