A EXPERIÊNCIA BRASILEIRA DOS JUIZADOS DE  PEQUENAS CAUSAS*

 

 

 

SUMÁRIO.  1. Generalidades.  2. As duas vertentes: a jurisdicional e a dos “sucedâneos”.  3. Juizados de pequenas causas no Brasil: origens.  4. A consagração legislativa.  5. A constitucionalização e ampliação do sistema.  6. Obrigatoriedade do procedimento ou opção do autor?  7. Resultados e prospectiva.

 

 

 

1. Generalidades. Seja entre os estudiosos do direito processual, seja entre os profissionais do foro, vem-se tornando quase obsessiva, de uns anos a esta parte, a idéia da necessidade de abreviar a duração dos pleitos judiciais. Tende a tornar-se consensual o pensamento segundo o qual o velho processo comum é de todo inadequado às necessidades do nosso tempo. Buscam-se técnicas e formas tendentes à aceleração e simplificação do procedimento, com a correspectiva sumarização da cognição (sumário substancial) ou sem ela (sumário formal). A mesma razão tem estimulado o legislador à adoção de formas “diferenciadas” de tutela jurisdicional, aptas a introduzir o demandante no gozo do bem da vida disputado no processo antes de que a sentença lho assegure.[1] A acrescida atenção que o processo cautelar vem merecendo da doutrina e da lei responde à mesma angustiosa preocupação. Não é nada raro que se utilize, com igual objetivo, a desmedida e nem sempre razoável multiplicação dos títulos executivos extrajudiciais, na ânsia de fugir ao lento e pesado “procedimento ordinário”.

         Paralelamente, outro tema que vêm insistentemente chamando a atenção dos processualistas contemporâneos é o do acesso à jurisdição, sobretudo no que diz respeito às populações de baixa renda e de escasso nível de conhecimento dos próprios direitos e de familiaridade com os serviços públicos teoricamente postos à disposição de todos. Sobretudo os estudos de Mauro Cappelletti chamaram a atenção sobre a vasta gama de fatores econômicos, culturais e sociológicos que dificultam esse acesso aos menos favorecidos, até mesmo porque a estrutura tradicional do Poder Judiciário, do custo à arquitetura, do hermetismo ao distanciamento geográfico, dificulta por todos os motivos esse acesso.

         Em vários pontos do Mundo, começaram a surgir iniciativas tendentes a criar mecanismos processuais capazes de alcançar um duplo objetivo: desafogar a Justiça organizada segundo os moldes clássicos, transferindo dela para outros organismos o conhecimento e a resolução de determinadas classes de litígios,  e garantir a absorção da chamada litigiosidade reprimida, aquela que se manifesta no corpo social mas não chega aos pretórios porque sua modesta expressão econômica (ou o baixo potencial ofensivo das infrações, na chamada criminalidade de bagatela) não justificaria a movimentação das pesadas engrenagens judiciárias de modelo convencional. Os benefícios que se pretende alcançar, portanto, dizem respeito a duas classes de litigantes reais ou potenciais: os que efetivamente litigam, mas se vêem prejudicados pela lentidão e baixa eficiência do sistema existente, e os que sequer chegam à barra dos tribunais, porque deles nada têm a esperar de útil.

         Dir-se-á que esta não é uma realidade nova: alguns séculos antes, o desenvolvimento do comércio no Mediterrâneo, com suas exigências de presteza das soluções e circulabilidade dos valores, já colocara em xeque todo o sistema judiciário da época, conduzindo à verdadeira revolução que foi a introdução dos procedimentos sumários, sobretudo por meio da bula papal  Saepe contingit.[2]  Mas o fenômeno que hoje presenciamos é de escala muito maior: a universalização da titularidade e do exercício efetivo dos direitos acresce à clientela dos pretórios, dia após dia, um número sempre crescente de usuários efetivos ou potenciais.

 

2. As duas vertentes: a jurisdicional e a dos “sucedâneos”. A solução do problema descrito tem sido procurada por dois caminhos distintos: a criação dentro da própria esfera do Poder Judiciário de mecanismos e institutos capazes de responder ao desafio de entrega rápida da prestação jurisdicional  e a formulação de outras propostas que se vêm denominando de sucedâneos jurisdicionais  ou alternativas à jurisdição.

         Pertencem ao primeiro grupo todas as tentativas de solução baseadas em uma reforma processual que, indo além da mera simplificação e aceleração do procedimento, investem na construção de uma nova estrutura dentro da máquina jurisdicional, voltada para os litígios de pequena expressão – algo como um microssistema judiciário, orientado pela noção de que o resultado deve preponderar sobre a forma. Nesse modelo, independentemente das providências paralelas que se adotem ou deixem de adotar com vistas à simplificação do “processo comum”, monta-se uma estrutura paralela, estanque de preferência, voltada exclusivamente para as causas de pequeno porte. De outra banda, a opção pelas soluções alternativas privilegiam a conciliação extrajudicial, o estímulo ao aconselhamento comunitário como forma de superar divergências e a criação de órgãos que facilitem e orientem a negociação direta entre as partes desavindas. Pertencem também a este grupo as iniciativas que envolvem mediação de órgãos estatais, mas não jurisdicionais, como os organismos governamentais voltados à proteção do consumidor.

O modelo mais freqüentemente lembrado do primeiro desses tentames é o Small Claims Court  norte-americano (originalmente denominado, em New York, Poor Man’s Court, em outros lugares e momentos também chamado de Common Man’s Court). Mas não é o único nem o primeiro.  Mesmo nos Estados Unidos, há notícia de órgãos similares mais antigos em Kansas, Oregon, Ohio e Illinois, a partir de 1912.[3]

         Na Inglaterra, os  County Courts, de inspiração semelhante, funcionam desde 1842 e superam o número de 400, muitos deles atendidos por juízes itinerantes.[4] De resto, conhece a Inglaterra os juizados informais, não-oficiais, a cuja autoridade as partes se submetem por consenso, com procedimento extremamente rápido e simplificado.[5]

         É da tradição do processo italiano o chamado procedimento perante o conciliador e o pretor, muito simplificado e reservado igualmente às causas de menor expressão econômica. [6] Também na Alemanha podem ser lembradas as Amtsgerichte e, em certa medida, também as Landgerichte, com procedimento abreviado e competência restrita a causas de pequeno valor.[7] Pelos objetivos e pelos métodos, assemelham-se a essas experiências os juizados de paz do México (que merecem destaque não só por sua eficiência, mas pela antigüidade: o primeiro projeto data de 1913) e similares de outras repúblicas latino-americanas.[8]  Também digna de menção é a solução seguida na Costa Rica, dada a extrema informalidade do procedimento e o máximo encurtamento de prazos, com julgamento pelo alcalde.[9]

         Já o modelo parajurisdicional encontra sua tônica na autocomposição, ainda que induzida, dos conflitos. Supõe-se que essa modalidade de superação dos litígios seja menos traumática, mais barata e produtora de seqüelas sociais menos intensas. Ainda que possa assumir diferentes aspectos exteriores, essa figura reduz-se, em última análise, à conciliação extrajudicial. A outra possibilidade de “sucedâneo jurisdicional” estaria na arbitragem, mas, obviamente, no pressuposto de que não constitua ela mesma uma forma de atividade jurisdicional.  Essa é uma questão ainda em aberto na doutrina, mas, à luz do direito positivo brasileiro, parece clara a opção pela jurisdicionalidade: segundo a mais autorizada doutrina, o art. 31 da Lei n. 9.307/96, equiparando em efeitos a sentença do árbitro à estatal e conferindo-lhe força de título executivo se condenatória, independentemente de homologação judicial, dá-lhe autoridade de ato jurisdicional.[10]

 

3. Juizados de pequenas causas no Brasil: origens. No início da década de 1980, no Estado do Rio Grande do Sul, a Associação dos Juízes desse Estado-membro de Federação brasileira tomou a iniciativa da criação dos então chamados “Conselhos de Conciliação e Arbitramento”. Falecia-lhes, é óbvio, qualquer autoridade ou poder formal de impor suas decisões aos desavindos, eis que nenhuma lei ou ato normativo oficial os respaldava. Mas a intuição e o descortino desse grupo de magistrados visionários revelaram-se absolutamente afinadas com as necessidades e os anseios das comunidades a que inicialmente serviam os Conselhos. A repercussão foi excelente e logo se haveria de verificar um alto índice de solução das controvérsias a eles submetidas.

         Cada Conselho era composto por um número variável de árbitros, escolhidos entre “bacharéis em Direito, com larga experiência forense , senso de eqüidade e poder de persuasão”, sob a coordenação de um Juiz de Direito. Este não atuava diretamente junto às partes: limitava-se a uma preleção inicial quando da abertura das audiências (realizadas em horário noturno para facilitar o acesso dos interessados sem comprometer seus turnos de trabalho), para concitar os litigantes à conciliação. Os Conselhos eram secretariados por escrivães, com a colaboração, também, de Oficiais de Justiça e outros servidores, sempre em regime de voluntariado e de absoluta gratuidade dos serviços prestados. A única despesa, decorrente da notificação (denominada convite) feita por via postal aos “reclamados”, era suportada pela própria Associação, em alguns casos com auxílio da Municipalidade.

         Após a preleção do Juiz-coordenador – feita no Salão do Júri para todos os interessados com audiência marcada para a data – os árbitros distribuíam-se por várias salas do prédio do Foro e passavam a atender aos desavindos, procurando induzi-los ao acordo. Atuavam, na verdade, sobretudo como conciliadores; o outro título que lhes era dado objetivava vestir a atuação dos Conselhos com as roupagens do juízo arbitral, tal como então regulado pela lei do processo. Obtida a conciliação reduzia-se a escrito, que as partes assinavam com duas testemunhas para dar-lhe eficácia de título executivo. Verificada a impossibilidade de acordo, tentava ainda o árbitro induzir as partes a aceitarem a arbitragem; se exitosa a iniciativa, tomava de imediato o compromisso e emitia o laudo, prontamente se possível, ou no prazo máximo de vinte dias.[11]

Nesses primeiros tempos, como também mais tarde, raríssimos foram os casos de solução arbitral, confirmando a desafeição cultural do povo por essa modalidade de composição dos litígios. Na verdade, o que realmente produziu frutos foi a conciliação. Surpreendeu, de resto, o baixo número de recusas ao comparecimento ou de simples desatenção ao convite. Apoiada pela imprensa e pela opinião pública, a iniciativa se impôs ao respeito da população, cuja pressão social teve papel decisivo no sucesso do projeto. Este registro é também um preito de reconhecimento e de justiça aos pioneiros abnegados – juizes, advogados e servidores – que deram uma exemplar demonstração de espírito público e disposição para o sacrifício, a par de uma invulgar capacidade de percepção das necessidades do jurisdicionado.

Considerando o fato, já destacado, de que os Conselhos não assentavam em lei nem integravam formalmente a estrutura judiciária estatal, tem-se de considerar que, nessa fase embrionária do que viria a ser o sistema de Juizados de Pequenas Causas, eles teriam de ser colocados na categoria dos remédios alternativos à jurisdição.

 

4. A consagração legislativa. Ao tempo dos fatos que vêm de ser relatados, já se esboçava nas esferas governamentais uma ainda indecisa e tênue movimentação no sentido de instituir os Juizados de Pequenas Causas em caráter oficial. A vitoriosa experiência desenvolvida pela Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, evidenciando a viabilidade concreta da idéia, estimulou e apressou o debate legislativo, para o qual, de resto, a mesma entidade contribuiu com subsídios e sugestões de grande importância.

         O primeiro diploma normativo a cuidar do assunto foi a Lei Federal n. 7.244, de 7 de novembro de 1984. Ela traçou os grandes contornos do instituto, inclusive no que diz respeito ao procedimento, mas foi deveras prudente no relativo ao modo pelo qual seria efetivamente introduzido esse microssistema. Assim, seu art. 1º começava por facultar aos Estados federados (e bem assim ao Distrito Federal e aos Territórios) a criação dos Juizados nas respectivas estruturas judiciárias.[12] Ficava a critério dos Estados Federados, segundo suas próprias considerações de conveniência, o aderir ao sistema ou permanecer à margem dele, como, de resto, a complementação e detalhamento das normas de regência por lei estadual. Assim ficavam respeitadas as peculiaridades e necessidades de cada um deles. Também  prevaleceu o interesse da flexibilidade na opção que se colocou para o próprio autor da demanda, respeitada sua preferência pelo Juizado de Pequenas Causas ou pelo aparato convencional da jurisdição.[13]

         A Lei deu grande ênfase à conciliação, nitidamente posta como objetivo preferencial a ser perseguido. Por isso, além do Juiz (estatal e singular, podendo ser um integrante do quadro ordinário ou ocupante de cargo especificamente criado para o efeito), integrariam o órgão, obrigatoriamente, os conciliadores, preferencialmente recrutados entre bacharéis em Direito, e os árbitros, escolhidos dentre advogados.  Vê-se claramente que a idéia básica dos Conselhos informais foi aproveitada, com um acréscimo resultante da institucionalização do sistema: se frustrada a conciliação e recusada a arbitragem, a causa devia ser de imediato submetida ao Juiz, a quem, nas correspondentes hipóteses, também cabia homologar os acordos obtidos e os laudos arbitrais acaso proferidos.[14] Foi igualmente mantida a advertência inicial a ser feita pelo juiz na abertura dos trabalhos de cada sessão, sobre as vantagens da conciliação.

         A competência territorial (de foro) ficou definida segundo os critérios usuais, mas com dois importantes aditamentos. De um lado, permitiu-se ao autor escolher entre o domicílio do réu em estrito sentido e o lugar onde ele exerce profissão ou atividade, ou tem agência, sucursal etc. De outra banda, também se lhe assegurou a opção por um desses lugares, ainda quando a mesma lei indique, alternativamente, outros critérios de fixação da competência.

         Admitem-se aos Juizados causas de pequeno valor, segundo critérios definidos pela mesma lei (múltiplo do salário mínimo oficial), mas que a legislação estadual pode reduzir, sempre versando interesses de natureza patrimonial. As postulações das partes (pedido inicial e contestação) admitem-se em forma oral ou escrita e a representação por advogado é facultativa. A citação por via postal (que, no processo civil comum de então assumia caráter excepcional) foi adotada como forma preferencial. Os incapazes e as pessoas jurídicas de Direito Público ficaram excluídas da jurisdição dos Juizados; outrossim, na posição de autor, só as pessoas físicas são admitidas. Conquanto a plena capacidade civil exija a idade de 21 anos, rebaixou-se para 18 aquela para estar em juízo nessa especial situação, inclusive para efeitos de conciliação.

         Do ocorrido em audiência, registra-se por escrito apenas o absolutamente essencial. Havendo coleta de prova oral, grava-se  em fita magnética “ou equivalente”[15], cuja transcrição só se fará para instruir recurso, se houver. O número de testemunhas de cada parte não pode exceder de três. A produção de toda a prova se faz em audiência, independentemente de requerimento anterior, decidindo o juiz na mesma oportunidade sobre sua admissão. A prova pericial é substituída pela ouvida de técnico da confiança do juiz, podendo este, outrossim, realizar exames em pessoas e coisas, ou determinar que os faça pessoa de sua escolha. Discutindo-se matéria especializada, as partes podem oferecer parecer técnico.

A sentença obedece, de modo geral, à estrutura comum, mas em forma simplificada, dispensando-se a separação topológica do relatório e da fundamentação. Basta que o juiz refira os fatos relevantes da audiência e exponha resumidamente os motivos da sua convicção.

         Além dos embargos declaratórios, que se admitem, foi instituído recurso único (inominado, mas com função de apelação) interponível da sentença de mérito proferida pelo juiz. As meramente homologatórias são irrecorríveis. A irrecorribilidade em separado das interlocutórias ficou implícita. Para o julgamento daquele recurso, foram instituídos colegiados específicos, a saber, “uma Turma composta por três juízes em exercício no primeiro grau de jurisdição”.

         Como se vê, procurou-se instituir um sistema estanque, incomunicável com o da jurisdição ordinária. Os órgãos detentores da competência recursal para as demais causas em nenhum caso deveriam julgar as do microssistema. Entretanto, o Supremo Tribunal Federal veio a firmar jurisprudência no sentido de que é admissível o recurso extraordinário quando questionada matéria constitucional federal, embora não se admita o recurso especial.[16] Resultou assim quebrada a pureza do princípio da separação entre os dois sistemas; mais do que isso, acabou-se por admitir o mais oneroso, demorado e complexo dos recursos em matéria marcada pela preocupação de simplicidade e rapidez na tramitação.

         No primeiro grau de jurisdição, a tramitação independe de custas e preparos; a própria sentença não deve impor o pagamento de custas e honorários ao sucumbente, salvo litigância de má-fé. Para a interposição do recurso, porém, a mais da obrigatória representação por advogado, exige-se o depósito das custas, inclusive as despesas processuais ocorridas em primeiro grau (ressalvada, é claro, a hipótese de gratuidade judiciária segundo os critérios comuns). A condenação em honorários advocatícios só cabe quando vencido o recorrente em segundo grau.

         A latere, a Lei instituiu a homologação pelo juiz “competente” (para o processo correspondente, se existisse) de qualquer acordo extrajudicial, valendo essa sentença homologatória como título executivo judicial. Atribuiu, outrossim, aos membros do Ministério Público o poder de referendar acordos celebrados por escrito, o que lhes confere as galas de título executivo extrajudicial.

        

5. A constitucionalização e ampliação do sistema. A Constituição Federal de 1988, aproveitando em linhas gerais a experiência anterior, deu aos “juizados especiais” – denominação desde então dada a esses órgãos judiciários – novos contornos, ampliando notavelmente sua abrangência para incluir no sistema a jurisdição criminal quanto às “infrações de menor potencial ofensivo”. É bem de ver que essa inclusão implicou, a mais de uma profunda reformulação legal, a necessidade da revisão de muitos conceitos e princípios a que o processo penal sempre esteve muito apegado. De resto, a facultatividade da instituição de tais juizados deixou de existir, eis que o texto constitucional dirigiu ao legislador um comando imperativo.[17]

As inovações diretamente decorrentes do texto constitucional podem ser assim identificadas:

a) passaram a existir Juizados Especiais cíveis e criminais;

b) sua criação é obrigatória, no âmbito da chamada “Justiça Estadual” (a que, por extensão, se agregam as dos Territórios e do Distrito Federal);[18]

c) introduz-se a figura do “juiz leigo”;

d) a execução, que era a ordinária e estava a cargo da justiça “comum”, passa à competência dos Juizados Especiais;

e) ainda que sem completa explicitude, introduziu-se também a transação penal;

f)  a competência dos juizados cíveis, pelo menos em princípio, deixou de definir-se pelo pequeno valor e adotou como parâmetro a pequena complexidade do litígio.

         As particularidades da jurisdição penal e o vulto das inovações introduzidas pela lei nova, a envolver profundas transformações na postura teórica e na atitude psicológica dos operadores do processo criminal, não são objeto de análise no âmbito deste estudo. Seria necessário, efetivamente, o concurso de um especialista para a realização desse exame, situado, de resto, fora das coordenadas previamente definidas para este trabalho.

         Somente em 1995, a 26 de setembro, veio a ser editada a nova Lei, de n. 9.099, adequando o sistema às inovações constitucionais. No pertinente aos Juizados Cíveis, reproduziram-se quase integralmente as disposições pertinentes à estrutura e funcionamento dos Juizados de Pequenas Causas, mas certas regras novas foram introduzidas e dentre elas algumas merecem destaque. Aquela antiga denominação, de resto, continua a parecer-nos preferível, seja por já consagrada pelo uso, seja por expressar em si mesma as finalidades e inspirações do instituto.

         Definindo o que sejam as “causas de menor complexidade”, a lei nova – talvez com certa quebra de fidelidade ao texto constitucional – retornou ao critério do valor, fixando o limite de quarenta vezes o salário mínimo oficial. Mas acrescentou-lhe alguns outros. Remetendo ao art. 275, II, do Código de Processo Civil, que definia as causas submetidas ao procedimento sumaríssimo pela natureza do pedido, subordinou-as aos Juizados Especiais e ao respectivo procedimento. Uma interessante questão  insere-se aqui. Teria o procedimento dos juizados especiais absorvido por inteiro aquelas causas, sempre que ausentes todas as demais razões excludentes, de ordem objetiva e subjetiva?[19] Parece que sim, mas a resposta a essa questão depende de outra, a que adiante será preciso retornar: o procedimento da Lei 9.090 é apenas uma alternativa ao dispor do autor ou lhe é imperativamente imposto? Se a disciplina legal das pequenas causas exclui qualquer outro procedimento, como pensamos, nem por isso o art. 275, II, do CPC[20] resultou esvaziado. Como continuam a vigorar as já referidas restrições de índole objetiva e subjetiva à habilitação para litigar ante os juizados especiais, o procedimento diferenciado do CPC, hoje denominado sumário, continua indicado para os casos de incidência de tais proibições.[21]

         Também foram incluídas na casuística as ações de despejo para uso próprio. Aqui parece ter-se mantido o legislador ordinário atento ao critério constitucional da “menor complexidade”. Mas logo retorna à idéia de valor econômico, em combinação àquela outra: inclui também as ações possessórias sobre bens imóveis cujo valor atenda ao mesmo limite de valor inicialmente fixado.[22]

         Inovação importante introduzida pela Lei n. 9.099 diz respeito à execução. A legislação anterior remetida as execuções ao sistema genérico (e essa era uma de suas debilidades); a lei nova passou a estabelecer procedimento próprio para as execuções de títulos judiciais oriundos dos Juizados e, mais, também cuidou da execução de títulos extrajudiciais  cujo valor se colocasse dentro dos limites definidos para a competência dos órgãos especiais. Não ousou o legislador, no particular, tanto quanto poderia, limitando-se à introdução de uma fase de conciliação (de duvidosa serventia) no procedimento executório e à busca de simplificação de alguns atos e supressão de certo número de formalidades. O que há de mais notável é a admissão de um pedido informal, dispensado inclusive da forma escrita, para o desencadeamento da atividade executória, assim como dispensada foi, outrossim, a nova citação.

         As novidades introduzidas com pertinência à execução, antes não cogitada, conduziram à edição de normas específicas sobre custas e despesas processuais a ela relativas. Assim, ficou estipulado que, a mais das normas já anteriormente existentes sobre o tema, mantidas pela lei nova, também incidem custas sobre a execução sempre que configurada a litigância de má-fé, quando julgados improcedentes os embargos do devedor e quando a execução se fundar em sentença da qual o devedor haja interposto recurso, sem lograr provimento. Na primeira das hipótese, por óbvio, a imposição pode dar-se a qualquer das partes; nas demais, somente ao executado.

         Perduram as normas sobre registro sumaríssimo das ocorrências processuais importantes, sem a forma de ata. A par dessas chamadas “notas”, registram-se mediante gravação sonora, estenotipia ou recurso técnico equivalente os depoimentos colhidos e outros atos de natureza oral que importem; tais gravações só se conservam até que transite a sentença em julgado, sendo então destruídas. Isso significa que, na ausência de recurso, tais registros sequer chegam a ser utilizados para qualquer fim.

         Assim como qualquer modalidade de intervenção de terceiro, a reconvenção continua proibida. Admite-se, contudo, que o réu formule, em sua resposta, sem o ritual da reconvenção, pedido seu contra o autor, desde que conexo.

         Quanto à dispensa da assistência de advogado, a lei vigente estabeleceu regra mais flexível que a de sua equivalente anterior. Aparentemente, o legislador buscou uma solução de transigência, diante da hostilidade dos advogados à solução da lei antiga, que em certa medida tomou visos de oposição à própria instituição dos Juizados.[23] Reduziu-se à metade do limite superior de valor da causa – vinte salários-mínimos – o teto para a permissão de litigar a parte sem advogado. Aparentemente, olvidou-se o legislador, nesse passo, de que o valor da causa não é mais o único referencial para a fixação da competência dos Juizados: as ações de retomada de imóvel locado para uso próprio e as arroladas no art. 275, II, do CPC, por razão da matéria submetidas ao rito sumaríssimo (hoje sumário) entram nessa competência independentemente do valor. Tem-se de entender, então, que mesmo quanto a estas, à falta de outro critério legal, prevalece o limite fixado para a dispensa de advogado.[24] Parece procedente a crítica segundo a qual o patrocínio obrigatório encontraria melhor fundamento na complexidade da causa do que no seu valor;[25] a solução legislativa adotada parece confirmar a suspeita de que a preocupação real foi de caráter corporativo, a saber, a de preservar o mercado de trabalho dos advogados.[26]

         Uma palavra, ainda, se faz necessária sobre os assim chamados “juízes leigos”. A lei precisou adotar essa denominação porque essa foi a utilizada no texto constitucional, mas, em verdade, sua impropriedade é manifesta. Eles não são exatamente juízes, porque não se acham investidos de jurisdição, e também não são leigos, porque só podem ser selecionados entre advogados com pelo menos cinco anos de prática forense, como a própria lei estabelece. Na verdade e na prática, eles assumiram a função de auxiliares do juiz, orientando o trabalho dos conciliadores, presidindo os atos de instrução e elaborando proposta de sentença a ser submetida ao juiz, que a placitará ou substituirá. Teoricamente, teriam também absorvido a função de árbitros credenciados junto aos Juizados, como os que existiram sob a vigência da Lei n. 7.244/84; entretanto, como a arbitragem jamais funcionou significativamente no Brasil (no âmbito dos Juizados ou fora dele), essa atribuição permanece como letra morta.

 

6. Obrigatoriedade do procedimento ou opção do autor? Conquanto já tenhamos tocado o ponto en passant, a importância do tema obriga a uma reflexão mais demorada sobre o mesmo, cabendo desde logo registrar que, sem embargo da veemência e ar definitivo com que alguns juristas defendem uma ou outra posição, essa continua a ser uma vexata quaestio.

Os argumentos com os quais se tem sustentado a tese da opcionalidade do rito partem, em geral, da visão do tema como uma questão de competência absoluta ou relativa, tão simplesmente.[27] Mas o problema, em verdade, não é de competência apenas, nem só de opcionalidade de procedimento. Trata-se, isto sim, do interesse público da criação de um sistema paralelo de distribuição de Justiça, capaz de assegurar, de um lado, o efetivo acesso à jurisdição para todos, inclusive os que se viram tradicionalmente excluídos do próprio gozo dos bens da vida e, portanto, do direitos e dos meios de fazê-los efetivos. Não tem pertinência, pois, discutir a nível de teoria pura o enquadramento das competências estabelecidas pelo art. 3º da Lei n. 9.099 como absoluta ou relativa. Aliás, sirva salientar que esse caminho conduz a um impasse: facilmente se pode constatar que algumas dessas competências são estabelecidas ratione materiae  e algumas outras em função do valor, quando não se combinam um e outro critério. Seria preciso, então, concluir que essa competência ora é absoluta, ora é relativa, para concluir, assaz insatisfatoriamente, que, a submissão da causa aos Juizados Especiais seria obrigatória em alguns casos do citado artigo e facultativa em outros.

Sustentamos que, em qualquer das hipóteses do citado artigo, o litígio só pode ser submetido ao Juizado Especial. Não porque o indique a regra de competência apenas, mas porque há todo um conjunto de interesses e princípios que ditam a necessidade de tratamento uniforme.

Aliás, é bem de ver que, ao contrário do constante da Lei n. 7.244/84, em momento algum o texto legal vigente autoriza a opção. Essa palavra, que parece haver desorientado parte da doutrina, só aparece no art. 3º, § 3º, verbis:

A opção pelo procedimento previsto nesta Lei importará em renúncia ao crédito excedente ao limite estabelecido neste artigo, excetuada a hipótese de conciliação.

Ora, a opção aí considerada é aquela que ao autor se permite fazer pelo sistema de pequenas causas mesmo que seu alegado crédito exceda a cota dos quarenta salários-mínimos. Nesse caso, entende-se – essa é precisamente a regra do parágrafo – haver ele renunciado ao valor excedente, que não mais poderá exigir em juízo algum. Nenhuma relação tem a regra com a suposta opcionalidade do rito ou do Juízo. Se sou credor de quarenta e um, mas desejo beneficiar-me das facilidades de um procedimento mais expedito, posso reduzir minha pretensão ao recebimento de quarenta. Mas não quer isso dizer que possa, sendo credor de quarenta, ou de trinta, escolher entre ajuizar minha ação ante o Juizado Especial ou o órgão ordinário: não há no texto legal uma só palavra que o autorize.

De resto, a defendida opcionalidade conduziria a alguns resultados deveras esdrúxulos. Ao autor, por exclusivo ato de sua vontade, estar-se-ia facultando a exclusão da recorribilidade em separado das interlocutórias e a supressão do recurso especial, sem que o réu lhe pudesse opor objeção ou resistência alguma. Estaria o autor, outrossim, resolvendo por sua exclusiva escolha se ao demandado seria ou não facultada a reconvenção; se o processo comportaria ou não intervenção de terceiros; se a sentença a ser proferida poderia ou não ser atacada mediante ação rescisória, e assim por diante.

 

7. Resultados e prospectiva. A instituição dos Juizados de Pequenas Causas, hoje oficialmente chamados Juizados Especiais Cíveis, vem alcançando resultados excelentes em todos os Estados federados onde sua implantação efetivamente se fez. Nesse particular, há grande diversidade entre as diferentes unidades da Federação, precisamente em função de se haverem algumas delas adiantado às outras na operação e aperfeiçoamento desse sistema.

         Algumas experiências, as mais ambiciosas, partiram da criação de quadros de pessoal (judicante e auxiliar) próprios, exclusivos, para essas unidades judiciárias. Entretanto, não parece, quanto se pode já colher dos resultados, ser esse o melhor caminho: o custo é elevadíssimo e pode ocorrer desperdício de mão-de-obra altamente qualificada. O sistema parece estar funcionando mais satisfatoriamente onde se manteve a máxima flexibilidade do sistema, conjugando a instituição de Juizados exclusivos com a outorga das respectivas atribuições a varas ordinárias, como “Juizados Adjuntos”.  É que sempre há um determinado número de pequenas Comarcas onde a criação de uma unidade judiciária com a exclusiva atribuição de Juizado Especial (mesmo que acumule as funções criminal e cível) representa manifesta demasia e, por decorrência, desperdício de recursos humanos.

O modelo que tem apresentado melhor rendimento é o que instala Juizados (um ou mais de um) com atribuições exclusivas da Lei 9.099 nas grande Comarcas e, nas menores, confere às próprias Varas detentoras da jurisdição ordinária, cumulativamente, as mesmas atribuições. Diz-se então que um “Juizado Adjunto” funciona nessa Vara, aproveitando os recursos humanos que compõem o seu quadro ordinário – juiz, escrivão, oficial de Justiça e demais servidores. Merece registro, outrossim, o fato de que os “Conselhos Informais”, baseados no primitivo modelo do Estado do Rio Grande do Sul, ainda funcionam em algumas poucas unidades da Federação Brasileira, servindo não como instância judiciária em estrito sentido, mas como órgãos favorecedores da conciliação e da solução negociada dos litígios, postos à disposição das partes que desejem tentar essa modalidade de solução antes de aforar suas demandas.

         De um modo geral, salvo nos Estados onde não foi implantado o sistema, ou onde não se lhe destinaram recursos adequados, os Juizados vêm cumprindo com grande eficiência os dois grandes objetivos que inspiraram sua criação. De um lado, vêm servindo à finalidade de absorver a chamada litigiosidade reprimida, aquela que jamais chegaria ao exame da jurisdição pelos caminhos tradicionais porque a escassa importância econômica das lides não justificaria os gastos e incômodos inerentes, ou o distanciamento social não encorajaria os envolvidos à busca dos pretórios. De outra banda, verifica-se também um expressivo fenômeno de migração para a o sistema dos Juizados Especiais de conflitos que anteriormente eram submetidos à jurisdição ordinária – o que representa um notável desafogo para os sobrecarregado sistema judiciário. Em ambos os casos, é significativo o ganho  em exercício efetivo da cidadania e celeridade da prestação jurisdicional.

         Um terceiro nível de ganho, talvez inesperado mas deveras importante, ao modo de um imprevisto mas bem-vindo subproduto, consiste no significativo papel que o sistema de juizados especiais vem desempenhando como laboratório de experiências para o aperfeiçoamento do processo comum. Na reforma processual que se vem realizando no Brasil ao longo desta década, mediante sucessivas alterações localizadas do Código de Processo Civil, pode-se constatar um grande número de inovações que foram previamente testadas e aprovadas no microssistema das pequenas causas para depois serem trasladadas ao sistema processual tradicional. Tal é o caso da generalização das citações postais, da valorização das providências conciliatórias, de simplificações introduzidas no processo executório, de quebra progressiva da rígida dicotomia cognição-execução e assim por diante.

         Presentemente, discute-se, no âmbito da chamada “Reforma do Judiciário”, a idéia de alargar-se a órbita de aplicação do procedimento da Lei n. 9.099, inclusive com a introdução de Juizados Especiais também no âmbito da Justiça Federal. Parece certo que iniciativas dessa ordem constituem o mais eloqüente atestado de sucesso da solução já posta em prática na esfera da Justiça dos Estados.

 

 

(Outubro de 1999)



* Conferência proferida na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, a convite de seu Conselho Directivo, em 10 de novembro de 1999.

                   

[1] Sobre essa noção de tutela jurisdicional diferenciada e suas variantes semânticas, cf. Proto-Pisani,, Appunti sulla giustizia civile, p. 213 (Bari, 1982).

[2] Sobre isso, o estudo incomparável de fairen Guillén, El juicio ordinario y los plenarios rápidos, passim (Barcelona, 1953)

[3] Cf. Silvana Campos Moraes, Juizados especiais cíveis, p. 61, Rio de Janeiro, 1998.

[4] Cf. J. R. Gomes da Cruz, “Reflexões sobre os Juizados de Pequenas Causas”, Revista Forense nº 285, p. 93 e segs.

[5] Sobre isso, Caetano Laggrasta Neto, “Juizado especial de pequenas causas e direito processual civil comparado”, no volume Juizado especial de pequenas causas, coordenado por Kazuo Watanabe,  p. 71 (iniciado à p. 37).

[6] Comentando as alterações introduzidas em 1984, G. Verde “La nuova competenza del pretore e del conciliatore”, Rivista di Diritto Processuale, 40-1 (1985), p. 168-72; G. Tarzia, “Aumento dei limiti di competenza del conciliatore e del pretore”, in Nuove leggi civili comentate, v. 7. Nº 6, p. 1145 e segs.  

[7] V. relatório de Bender e  Strecker, “Access to Justice in the Federal Republic of Germany”, in Access to Justice, de Cappelletti e Garth, v. 2, p. 536-8, Milão, 1978. Embora por vezes também referido com pertinência ao tema, não parece que o chamado Stuttgarter Modell a ele se relacione diretamente: aí se trata, antes, de uma sistemática de trabalho nos tribunais, com intenso diálogo entre os figurantes do processo.

[8] Sobre esse grupo, J. O. Favela, “La justicia de minima cuantia en México y otros países de América Latina”, in Estudios de Derecho Procesal, p. 204-5, México, 1981.  

[9] Id., ib., p. 238.

[10] Cf. Carlos Alberto Carmona, Arbitragem e processo, p. 38-9 (com manifesto erro material ao citar o art. 32), São Paulo, 1998.

[11] V. Apody dos Reis (um dos juízes envolvidos no projeto), “O processo das pequenas causas – relato da primeira experiência”, na Revista AJURIS, nº 26, p. 28 e segs. (novembro de 1982)

[12] Para boa compreensão da excepcionalidade dessa solução legislativa, ao leitor não-brasileiro convém lembrar que, na República dita federativa do Brasil, a competência legislativa em matéria processual (civil e penal) é constitucionalmente reservada à União Federal desde a Carta de 1934. Também cabe acentuar a dualidade das organizações judiciárias peculiar às federações: à parte os ramos especializados do Poder Judiciário, há uma Justiça Federal e cada Estado-Membro tem a sua própria estrutura judicial, embora esta aplique predominantemente direito federal (diversamente do que se vê no modelo norte-americano, onde ocorre correspondência mais aproximada entre as distribuições de competência legislativa e jurisdicional).   

[13] Nesse sentido é que se falou de uma dupla facultatividade do sistema: cf. Cândido Rangel Dinamarco, Manual das pequenas causas, p. 4, n. 3 (São Paulo, 1986).

[14] Na prática, a desafeição popular pelo juízo arbitral foi mais uma vez confirmada: foram e continuam a ser raros os casos de arbitragem. Carlos Alberto Carmona, ardoroso defensor do juízo arbitral e um dos inspiradores da lei que hoje o regula no Brasil (n. 9.307/96), admite a insignificância de sua utilização  nos Juizados de Pequenas Causas e, depois, nos Juizados Especiais Cíveis: Arbitragem e processo, p. 16 (São Paulo, 1998).

[15] Em algumas Comarcas, onde esse recurso técnico acha-se disponível, tem-se utilizado a estenotipia, computadorizada ou não.

[16] Como cabe, ainda uma vez, alertar ao leitor não-brasileiro, trata-se, em ambos os casos, de recursos com sede constitucional, extraordinários em lato sentido, de fundamentação vinculada. Uma diferença de detalhe na redação dos textos da Constituição da república com respeito a um e outro determinou a diversidade de tratamento quanto à admissibilidade.

[17] Constituição da República, art. 98, I: A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau; (...).

[18] Retro, nota 12.

[19] Não podem processar-se na esfera especial causas de natureza falimentar, fiscal, alimentar, de interesse da Fazenda Pública, relativas a acidentes do trabalho, a resíduos e ao estado e capacidade das pessoas. Outrossim, não podem ser partes em tal sede e em qualquer dos pólos da relação processual o preso, o incapaz, o ente de Direito Público, a massa falida e o insolvente civil; podem ser rés, mas não autoras, as demais pessoas jurídicas.

[20] Com sua antiga redação (vigente quando da edição da Lei n. 9.099) ou com a atual, esta resultante da Lei n. 9.245/95.

[21] Importa anotar que o problema não é apenas de competência, como parecem pensar os que sustentam posição oposta, v. g., Joel Dias Figueira Jr., Comentários à Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais, p. 79 e segs. (2ª ed., São Paulo, 1998). Trata-se, sim, de saber se a causa há de ser submetida ao sistema genérico de solução de controvérsias ou a um outro, profundamente diferenciado, inclusive pelas severas limitações à recorribilidade. Pergunta-se: é razoável permitir-se ao autor que determine, por ato de sua vontade, se o processo admitirá recurso das interlocutórias? E recurso especial?

[22] Por que só sobre imóveis? Porque o teor então vigente do art. 275 do CPC prescrevia o procedimento sumaríssimo para as possessórias versando sobre móveis e semoventes, independentemente de seu valor; assim, elas já estariam abrangidas por disposição anterior que as remetia à competência dos Juizados.

[23] Bem ilustrativa é a posição de Rogério Lauria Tucci, Manual do Juizado Especial de Pequenas Causas, pág. 90 e segs. (São Paulo, 1985).

[24] Em tempos, foi questionada a constitucionalidade dessa dispensa, sobretudo por parte da Ordem dos Advogados do Brasil. A questão resultou superada após seu julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.127-8/DF, in Diário da Justiça da União de 14.10.94, pág. 27.596 e, novamente, na sua similar n. 1.105-7/DF, in Revista de Direito Administrativo n. 200, p. 201.

[25] Cf. Horácio Wanderley Rodrigues, “Juizados especiais cíveis: inconstitucionalidade, impropriedades e outras questões pertinentes”, na Revista de Direito Processual Civil, n. I, pág. 28-9 (iniciado à pág. 22).

[26] Cf. Caetano Laggrasta Neto, “O novo Estatuto dos Advogados – açodamento legislativo”, in Julgados dos Tribunais de Alçada Civis de São Paulo, n. 148, pág. 14 e segs.

[27] Retro, nota 21.

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