RÉU REVEL NÃO CITADO,

QUERELA NULLITATIS E AÇÃO RESCISÓRIA

 

 

SUMÁRIO

 

1. Considerações gerais sobre  os vícios da sentença.   2. Notícia histórica.   3. Abrangência da ação rescisória no Direito Brasileiro atual.   4. Réu revel nulamente citado ou não citado.   5. Falta ou nulidade da citação seguida de revelia: natureza do vício.   6. Situação especial do litisconsorte passivo não citado ou mal citado.   7. Eficácia sanatória da coisa julgada e seus limites.   8. Os embargos do art. 741, I, do CPC.   9. Sobrevivência da querela nullitatis.   10. Argüibilidade do vício mediante ação rescisória.   11. Fungibilidade dos remédios processuais utilizáveis.   12. Conclusões.

 

 

 

1. Sempre que se fala de ato viciado, está‑se a pensar em ato existente, no sentido físico e no jurídico. A propó­sito daquilo que não se manifestou no mundo ou, manifestan­do‑se, não penetrou na esfera jurídica, descabe pensar‑se em validade ou invalidade, em eficácia ou ineficácia.[1] O "não­‑ato" há de ser, no máximo, aparência de ato, embora se possa imaginar que, por razões de clareza e segurança, alguém promova em juízo a declaração de inexistência dele, a fim de que a suposição de existência não cause prejuízos ou em­baraços ao interessado. A ação correspondente ‑ e a senten­ça que a acolher ‑ será das mais típicas declaratórias negativas dentre quantas­ se possam conceber.

Em se tratando de sentenças, a distinção entre os planos da existência, da validade e da eficácia continua a ter a relevância de sempre. Sobretudo quando se cogita de ação rescisória, importa muito ter-se presente que a sentença rescindível não é sentença nula (como afirmava o Código de Processo Civil de 1939, art. 798), nem inexistente, ou simplesmente ineficaz. Por hipótese, ela transitou em julgado (sem o que não seria passível de rescisão); existe, pois, vale e tem plena eficácia enquanto não lhe sobrevenha a desconstituição. Aliás, a sentença inexistente não precisa de rescisão nem sequer é passível dela, pois o que jamais entrou no universo jurídico só pode ser nele tomado em consideração a fim de acertar-se, declarar-se, tornar-se certo que não entrou, caso a tal respeito se instale razoável dúvida. Também prescinde de rescisão a sentença cuja eficácia não alcança determinado lugar, ou certa pessoa, ou não se opera em determinadas circunstâncias. Nada preciso fazer para forrar-me aos efeitos de sentença proferida por jurisdição à qual não estou submetido, ou em processo no qual não assumi formalmente a posição de parte, ou dispôs sobre bens que não estão e nunca estiveram em meu patrimônio. A buscar-se alguma aproximação entre rescindibilidade, de um lado, e inexistência, nulidade, anulabilidade ou ineficácia, de outro, ter-se-ia de admitir que a única identificação possível seria com a anulabilidade. “Rescindir, como anular, é desconstituir”.[2] Advirta-se, porém, que também a sentença “nula” (como, e. g., a que julgou ultra ou citra petita), transitando em julgado, como pode transitar ao contrário da inexistente, converte-se em simplesmente rescindível, até por não dispor o Direito de outro remédio que não a rescisão para desconstituí-la, mas também por outras razões que em tempo serão analisadas.[3]  Nem há motivos para surpresa nessa identidade de tratamento entre atos nulos e anuláveis, pois, ao contrário do que supuseram alguns doutores,[4] a rigorosa aplicação dos princípios e critérios importados do Direito Priva­do quanto às nulidades lato sensu é impossível no campo do processo,[5] inclusive porque neste a sanação, o aproveita­mento e o suprimento têm ensanchas bem mais largas de utilização, a ponto de apagar, em magna parte, a distinção entre nulidade e anulabilidade.[6]

Aliás, as imensas dificuldades encontradiças nas tentativas de transposição da teoria das nulidades (eriçada já na origem de graves controvérsias e incertezas) para o Di­reito Processual agudizam-se sobremaneira quando se cuida de sentenças. Seria empreendimento deveras meritório a construção de uma teoria própria das nulidades processuais desatrelada dos critérios, conceitos e preconceitos consagrados na esfera do Direito Material. Enquanto se espera uma tal sis­tematização, pode-se aproveitar, no pertinente à sentença, uma fecunda meditação em torno dos seus vícios, que condu­ziu a este interessante resultado:

"Lembraremos apenas, em termos intencionalmente esque­máticos, e levando em conta os dados do nosso direito positivo, que, do ponto-de-vista dos efeitos, os vícios que elas podem apresentar são agrupáveis em três grandes classes: a) a dos que não resistem à eficácia preclusiva da coisa julgada e, por isso, não alegados em recurso, se tornam irrelevantes; b) a dos que, após o trânsito em julgado, podem servir de fundamento à desconstituição, mediante ação rescisória, mas não impe­dem a decisão de produzir, nesse ínterim, todos os e­feitos normais; c) a dos que, dispensando o exercício da rescisória, são alegáveis como óbices à execução, a­través de embargos."[7]

Não cabe duvidar‑se de ser esse um critério discretivo mais útil e mais adequado ao exame do tema sob análise. Talvez fosse possível ajustá‑lo à classificação tradicional dos vícios do ato jurídico, mas o empreendimento não seria ameno e suas dificuldades poderiam superar a utilidade dos frutos que se colhessem. Desde logo se pode antecipar o protesto dos que se recusam a ver na hipótese sob letra c caso de inexistência, como se dá com o próprio autor citado. Pa­rece acertado, pois, tomar‑se aquela tripartição como base para as considerações seguintes.

 

2. A tendência do Direito moderno é no sentido de reduzir a duas classes os meios de ataque à decisão judicial: a dos que objetivam impedir seu trânsito em julgado (recursos) e a outra dos remédios que se voltam contra a própria coisa julgada já constituída (rescisão), em regra estabele­cidos critérios mais estreitos de admissibilidade e funda­mentação vinculada para esta última. Importa rememorar, ainda que muito aligeiradamente, a evolução histórica que de­sembocou nessa tendência hodierna.

Em Direito Romano, os errores in procedendo de mais alta gravidade, infringindo regras processuais de máxima importância, e bem assim alguns erros no julgar de seriedade igualmente extrema (contra ius constitutionis) conduziam à denominada nulla sententia, defeito cuja alegação prescindia do emprego de qualquer recurso ou ação. Ao interessado era lícito permanecer inerte e simplesmente resistir aos e­feitos do julgado, inclusive opondo o vicio da sentença à actio iudicati. Essa nulla sententia, gravemente viciada do ponto-de-vista processual, excepcionalmente podendo também ser uma sentença (ainda gravemente) injusta, não era, como leitura apressada talvez sugerisse, o que hoje chamaríamos sentença nula, mas o equivalente do que a doutrina hodierna denomina sentença inexistente. É a ''sentença nenhuma", aquela "não‑sentença" a cujo respeito sequer cabe falar‑se de preclusão ou coisa julgada.

         O direito intermédio, no seu vezo conhecido de vestir institutos germânicos com a terminologia romana e colori-los com a técnica judicial romana, produziu um remédio específico para a impugnação dos erros de procedimento, já que a apelação se havia firmado a partir do período da cognitio extra ordinem como via de ataque principalmente (se bem que não exclusivamente) ao julgamento de mérito. Surgiu, assim, a querela nullitatis, que não assumia a feição completa da actio mas gozava de autonomia como imploratio officii iudicis. Objetivava a correção do error in procedendo. Natural­mente, seu aparecimento correspondeu a uma idéia mais expandida de preclusibilidade, alargada a decisões cujo vício a­té então se havia considerado como oponível a todo tempo, independentemente de prazo e de forma.

Ao lado desses institutos, é bem conhecida dos romanistas a restitutio in integrum, que viria a alcançar seu máximo desenvolvimento e mais ampla utilização no Direito Co­mum. Por esse meio era a iniqüidade da decisão o que se argüía, não sua deficiência formal, ou a do processo que a tinha gerado.[8]

Retraçado esse quadro, desconsideradas as distâncias, inclusive cronológicas, e postas de lado as interferências reciprocas, identificam‑se três distintos remédios para igual número de imperfeições do julgado. À injustiça substancial da sentença corresponderia a appellatio; ao vício formal a querela nullitatis e à iniqüidade a restitutio. Não seria possível, nesse quadro, sistematizar a distinção hoje corrente (mas nem por isso uniforme na legislação) entre recursos e ações impugnatórias. Outro dado a ter‑se em mente com especial atenção é este: os três institutos interinfluíram, contribuindo cada qual deles para a formação e desenvolvi­mento dos demais.[9]

No direito europeu de hoje, a combinação dessas várias fontes produziu resultados díspares. Assim, entre os povos germânicos costuma ser facilmente identificável a distinção entre o remédio de revisão oriundo da querela nullitatis e aquele proveniente da restitutio in integrum, a cada qual correspondendo denominação e disciplina diversas. O traço distintivo que se pode perceber ainda na própria legislação brasileira (confrontem‑se, por exemplo, as disposições dos incisos I e VII do art. 485 do CPC) lá costuma aparecer mais nítido.[10] No direito francês e no italiano, várias hipó­teses que nos habituamos a considerar como de rescisão apa­recem como objeto de recurso de cassação ou de outros mais delimitados, como o recours en revision (antiga requête ci­vile) e a revocazione peninsular. A legislação portuguesa, por largo tempo, manteve a dicotomia (entre nós ainda pre­sente) entre recursos (meios de impugnação obstativos do trânsito em julgado) e ações autônomas de revisão (que pressupõem aquele trânsito). Recentemente, porém, aderiu à ten­dência dominante na Europa central, incluindo entre os re­cursos o de revisão, conquanto interponível de sentença passada em julgado (CPC português de 1967, art. 676, 2, e art. 677).

3. Quanto ao direito brasileiro, continua muito clara­mente gizada a bifurcação até aqui aludida. E, embora não se deva perder de vista ser obra do legislador a de dizer o que é ou não recurso, parece mais aceitável essa solução, seja em perspectiva histórica, seja do ponto‑de‑vista sistemático.

Com efeito, o marco a todas as luzes mais adequado pa­ra separar os recursos (impugnação no mesmo processo) das ações impugnativas (originadoras de nova relação processu­al) há de ser o trânsito em julgado da sentença, momento da formação da coisa julgada formal e ao qual em regra corres­ponde a constituição da res iudicata em sentido material. É aí que se dá a plenificação da eficácia do ato de julgamen­to e, o que mais importa, a efetiva realização concreta da própria finalidade do processo. Desde então, as possibilidades de impugnação da sentença têm‑se de reduzir a casos ex­cepcionais, rigidamente delimitados, sob pena de se ter de abrir mão da idéia mesma de estabilidade dos julgados e de termo final dos litígios. A idéia foi excelentemente expos­ta ao longo de fundamentada crítica à inclusão da revisión espanhola no elenco dos recursos, com este destaque:

"La interposición de un recurso impide precisamente la producción de la cosa juzgada, cuando, por el contra­rio, la revisión se da contra las sentencias firmes, esto es, aquellas que, al menos externamente, han gana­do la fuerza de cosa juzgada. (...) No se trata por lo tanto de una nueva fase del proceso, sino de la apertura de un nuevo proceso."[11]

Essas considerações têm a mais completa procedência, e de lege ferenda dariam orientação excelente ao legislador. Mas cabe lembrar que a já referida "contaminação" entre os remédios impugnativos é constatável invariavelmente nos textos normativos. A pureza do objeto da appellatio (impugna­ção do julgado injusto), da querela nullitatis (argüição de um vício de forma) e da restitutio in integrum (insurgência contra a iniqüidade), a rigor jamais realizada por inteiro, não é de esperar‑se nos sistemas jurídicos resultantes da evolução mais recente, inclusive no brasileiro. Por via de recurso, tanto se pode inquinar o decisório de injusto como de viciado ou formalmente imperfeito, para pedir‑se, ao invés de sua reforma, a sua anulação (lato sensu) ou cassaçã4 se esta, em terminologia rigorosa, for considerada coisa diversa daquela.[12] Outrossim, há casos de rescindibilidade indistinguíveis de motivos de apelação, como os dos primeiros incisos do art. 485 do CPC, em contraste com os dos últi­mos, que são só fundamentos de rescisão. E, dentre todos, alguns guardam a marca visível da querela de nulidade (v. g., ofensa à coisa julgada), enquanto outros denunciam facilmente sua filiação à restitutio in integrum (como o da senten­ça fundada em erro de fato).

A ação rescisória brasileira é eminentemente constitu­tiva. Como ficou dito antes, rescindir é anular, desconsti­tuir (na perspectiva, única ora importante, do iudicium rescindes). Não importa muito se, na classificação acadêmica, o vicio apontado seria de nulidade ou de anulabilidade. Pa­ra os fins aqui considerados, as duas situações se eqüivalem, pois ninguém duvida de que o trânsito em julgado, com seu poder de sanação, cobre também o defeito maior desses dois, de tal sorte que também a sentença "nula" produz efeitos enquanto não seja rescindida. As contradições já apon­tadas[13] são apenas o indesejável porto ao qual conduz a insistência na adoção de critérios incompatíveis com a índole do direito processual e sobretudo das sentenças.

Desconsideradas, por atípicas e submetidas a discipli­na compreensivelmente específica, as sentenças "transparen­tes" cuja anulação (ao invés de rescisão) o art. 486 do CPC autoriza, poderia parecer que a ação rescisória, com o con­junto dos recursos, compõe um sistema fechado e completo de vias de impugnação aos julgados. Com efeito, parecem absor­vidas por esse esquema todas as hipóteses provindas ou de­rivadas das três matrizes históricas antes analisadas.[14]

Há, contudo, uma especialíssima situação a reclamar e­xame mais detido, a fim de que se apure sua inclusão ou não entre os casos de rescindibilidade e, por outro lado, se investigue a possibilidade de utilização de outro remédio processual que a resolva, isso significando não ser completa a aludida absorção. Trata‑se da sentença proferida em proces­so no qual foi omitida, ou, se realizada, foi nula a citação do réu depois caído em revelia. (Por simplicidade de linguagem, desconsidera‑se, como a própria lei desconsiderou, que, não havendo citação válida, também não pode haver a verdadeira revelia).

 

4. A citação é a garantia primeira e maior do contraditório processual. A consagração legal, via obrigatoriedade absoluta da citação, do principio da bilateralidade da au­diência, representa uma especificação do principio constitucional da isonomia.[15] Dai a imperatividade com que, sob co­minação enfática de invalidade, a lei impõe a realização do ato; daí a acentuação incomum do rigor formal a que se acha submetido, rigor pouco afinado com a tendência geral à liberalização das formas processuais presente em todo o Código. É que processo sem citação não assume a feição de actum tria personarum, é procedimento unilateral, negação da garantia do contraditório.

Naturalmente, não é a citação em si mesma que importa, mas a finalidade a que ela se presta. Dupla finalidade: convocação do réu a juízo (in ius vocatio) e sua cientificação do teor da demanda formulada (edictio actionis).[16] Cumprida que seja a finalidade, com o demandado presente e ciente da postulação, abre‑se mão da forma e até da existência mate­rial da citação. A falta ou nulidade do ato, porém, assume importância enorme se o citando permanece em silêncio e in­diferença, caindo em revelia: a sentença que porventura se venha a proferir em detrimento dele constitui verdadeira violência ao seu direito, maior e mais grave em sistema pro­cessual, como o nosso, onde vastíssimas são as conseqüências da revelia.

O defeito em menção é suficientemente grave para permanecer, ao longo do processo, imune a todas as preclusões, inclusive à maior delas, que é a coisa julgada, ou, quiçá, para impedir que esta se constitua. Seja por uma, seja por outra dessas razões, certo é que a lei permite erigir a cor­respondente objeção mesmo no ulterior processo de execução daquela sentença, pela via dos embargos. Isso significa que o vício sobrevive à sentença e à coisa julgada, se é que esta se formou - porque o vício é também da sentença, como de toda a relação processual írrita. O art. 741, I, do CPC protege, pois, o executado que fora revel no processo de conhecimento onde não se lhe fizera citação válida.

Mas o mencionado passo legal não é suficiente para am­parar todos os réus vencidos à revelia e sem atenção ao im­perativo audietur et altera pars. É preciso lembrar que nem todas as sentenças de procedência são passíveis de execução ensejadora dos embargos, mas só as condenatórias; que o prazo para embargar, mesmo havendo execução embargável, é pe­remptório e preclusivo; que os embargos eventualmente podem sofrer rejeição por defeito de forma ou de legitimatio ad processum; que a sentença, mesmo exeqüível, talvez jamais venha a ser executada, permanecendo sobre a cabeça do condenado qual espada de Dámocles, a minar‑lhe o crédito, o bom nome e a tranqüilidade.

Isso considerado, não se pode deixar de pensar em ou­tras vias de dedução da pretensão a que se ligam os embar­gos do art. 741, I, fora desses embargos. A ação incidental de embargos do devedor, com tal fundamento, em verdade ser­ve de veículo a uma argüição de nulidade e não seria aceitável a limitação de seu exercício a esse único e estreito caminho, posto na dependência de tantas variáveis, algumas sujeitas ao arbítrio da contraparte. Sobre admitir‑se que o prejudicado pela falta de citação instaure "outro processo sobre a mesma lide irregularmente decidida",[17] o que impli­ca afirmar apenas a imunidade dele à sentença, cabe exami­nar a admissibilidade de outros remédios, como a ação res­cisória, a ação declaratória etc. Até mesmo os embargos de terceiro já foram cogitados.[18]

 

5. Não há consenso na doutrina em torno da natureza do vício de falta ou nulidade da citação, no processo onde o citando vem a tornar‑se revel. Sustentam alguns tratar‑se de inexistência da sentença, enquanto outros vêem no caso nulidade pleno iure. Não são de excluir‑se, de resto, situações especiais em que o defeito melhor se identificaria co­mo ineficácia - segundo adiante se verá.

Talvez a controvérsia em foco não tenha a importância que lhe atribuíram alguns juristas,[19] e pode ser até que a distinção entre ato inexistente e ato nulo pleno iure careça de repercussões práticas. Salvo para os seguidores de PONTES DE MIRANDA (em escassa minoria no particular) quanto a ser a ação de nulidade de ato jurídico constitutiva e não declaratória, importa pouco, no plano das conseqüências práticas, se a declaração judicial é de inexistência ou de nu­lidade absoluta. Outrossim, cabe repetir, também a este pro­pósito, o anteriormente dito sobre as reservas com que hão de se acolher na teoria do processo os critérios elaborados com vistas e referências no Direito Material. Também e princi­palmente no tenebroso e movediço capítulo das nulidades. É bem possível que se esteja a necessitar - permita‑se a in­sistência - de uma elaboração inteiramente nova da teoria da validade dos atos processuais, liberta enfim dos concei­tos (e preconceitos) importados de outros ramos do Direito. A especificidade do objeto do direito processual, sua ins­trumentalidade, a perspectiva eminentemente teleológica pe­la qual se têm de mirar todas as suas regras e moldar todos os seus princípios, a perturbadora realidade da res iudicata - tudo está a exigir pelo menos um esforço nesse senti­do.[20] Mais: a distinção entre os casos de inexistência e nulidade plena é eriçada de controvérsias e dificuldades ta­manhas, sobretudo quando se trata de traduzi‑las em exem­plos, que a própria utilidade dela resulta comprometida. Se bem que não se possa chegar a ignorá‑la por inteiro, é possível reservar a sua consideração para os temas a cujo respeito se haja demonstrado a necessidade imperiosa de tê‑la presente.[21]

          Há, entretanto, motivos fortes para que, mesmo manejando‑o com cautela máxima, o conceito de ato inexistente seja admitido. Primeiro, tenha‑se em conta a terminologia do Có­digo de Processo Civil, que pelo menos uma vez (art. 37, parágrafo único) emprega a expressão. Depois, considere‑se que determinados atos (ou fatos) efetivamente não reúnem as condições mínimas de ingresso no mundo jurídico, à parte aque­les outros que nem mesmo no sentido físico existem, reduzindo‑se a aparências ou potencialidades. A "sentença" proferida por quem não é juiz sentença não é; existe no mundo dos fatos mas permanece juridicamente inexistente. A que o juiz elaborou in mente e talvez até rascunhou, mas por qualquer motivo não chegou a ditar ou redigir, nem mesmo teve existência no sentido físico, não adquiriu sequer a aparência exterior de sentença. Qualquer delas é inexistente.

Importante é conservar‑se rigorosamente restrito e emi­nentemente negativo esse conceito, segundo as prudentes re­comendações da doutrina mais autorizada. Algumas lições pertinentes merecem transcrição. Como esta:

"...pelo menos como meio convencional para designar a pura e simples inexistência do ato, quando se depara com uma espécie de fato puramente ilusório, que não chegou a dar vida a um ato qualquer e que por isso fi­ca fora do âmbito de valoração das categorias da vali­dade e da invalidade. O ato inexistente, por isso, deveria indicar uma realidade de fato que não conseguiu penetrar no mundo do direito; trata‑se, pois, de um conceito meramente negativo, criado para caraterizar a linha extrema da realidade jurídica, cuja única razão de ser é eliminar do mundo do direito as manifestações da realidade fenomenológica que absolutamente não sejam suscetíveis de relevância ou de valoração jurídica, pelo menos para os efeitos que em cada caso concreto são tomadas em consideração.”[22]

Ou esta outra, ainda sobre inexistência do ato em sen­tido jurídico:

"A su respecto se puede hablar tan sólo mediante proposiciones negativas, ya que el concepto de inexistencia es una idea absolutamente convencional que significa la negación de lo que puede constituir un objecto jurídi­co. (....) Una sentencia dictada por quien no es juez no es una sentencia, sino una no sentencia (Nichturteil).  No es un acto sino un simple hecho."[23]

O ato dito inexistente, pois, é algo que se passa na ordem fenomenológica mas não afeta a escala jurídica nem ingressa na sua pauta de valoração, ainda que tenha assumido a aparência ou simulado os contornos e visos do ato jurídico, com cuja exterioridade pode apresentar‑se.

Postos esses critérios, a sentença de que se ocupa es­te ensaio existe, mas é nula. É ato processual levado a ca­bo onde, quando, como e por quem devia ser praticado, den­tro de uma estrutura processual constituída (ainda que irregularmente), portanto, existente, mas contaminado de vício que lhe é originalmente externo: o processo mesmo que a ge­rou é radicalmente nulo, pois a citação é requisito de sua validade (CPC, art. 214). Ver‑se aí inexistência implicaria abertura perigosa do conceito, a ponto de o tornar incontrolável, difuso e por isso mesmo inservível a qualquer finalidade prática. Lembrando‑se de que nulidade é a cominação legal para a espécie, não é demais repetir também que a opção legislativa se tem de supor consciente, pois a noção de ato inexistente foi igualmente contemplada pelo mesmo diploma normativo. A sentença proferida sem citação válida encerra suficiente componência de judicialidade para penetrar no mundo do direito, até porque o principio audietur et altera pars não é absoluto, comportando exceções consagradas em todas as legislações processuais modernas, bastando que se refiram as decisões liminares e os procedimentos monitórios. Assim, o deficit de que padece o processo onde não se fez citação hábil diz respeito à validade, não à existência,[24] sem embargo do volume e da autoridade das opiniões em con­trário.[25] Não deve impressionar o exemplo ad terrorem do morto citado por edital, pois aí o caso é mesmo de inexistência do processo e da sentença nele porventura proferida - mas não por defeito ou falta de citação; sim por inexistência de uma das partes (tecnicamente, incapacidade de ser parte da pessoa natural que se extinguira pelo óbito).[26]

 

6. Cogitou-se até aqui da hipótese básica, esquematizada, da citação nula ou omitida do réu único. Importa verificar agora a validade do que ficou estabelecido para o caso de pluralidade de demandados.

 Se o litisconsórcio passivo é facultativo, ao autor fora licito, desde antes da propositura da demanda, escolher entre adotá-lo ou não. Continua sendo livre de abrir mão de alguma citação acaso não realizada ou mal efetivada, no curso do processo, com vistas a agilizar sua tramitação, de modo que o procedimento siga somente em face de um ou de alguns dos primitivos demandados. Certo, essa desistência, tácita que seja, relativamente a alguns dos réus, dependeria eventualmente da anuência daqueles outros já citados. Mas, na perspectiva deste estudo, o ponto é irrelevante, eis que se está a cogitar de processo onde já foi proferida senten­ça e, por hipótese, o problema da concordância ou divergên­cia quanto ao desistimento já foi colocado e resolvido, por manifestação expressa ou por consentimento silencioso.

Em tais condições, não parece questionável a validade do processado, com base na falta ou nulidade de alguma das citações. O problema reduzir‑se‑á à identificação dos limi­tes subjetivos da coisa julgada no caso concreto, restritos às pessoas que efetivamente figuravam como partes ao tempo do julgamento. Mas ainda aí não se deve olvidar a possibilidade de tentativa de execução da sentença em face de quem não fora citado, ou o fora nulamente, ao qual não se poderá negar acesso aos embargos do art. 741, I - nem, portanto, a alguma das outra vias que porventura correspondam, fora do processo de execução e dos respectivos embargos, ao ob­jetivo de liberar‑se dela o executado.

Mais complexo, porque tratado de modo especial pela legislação e pela doutrina, é o caso do litisconsórcio passivo necessário em que algum dos litisconsortes não tenha si­do validamente citado. Sabendo‑se que, obrigatória a litis­consorciação, a sentença carece de eficácia seja quanto aos ausentes da relação processual, seja mesmo para os que a tenham integrado (CPC, art. 47 e seu parágrafo), porque, na expressão consagrada, inutiliter data,[27] parece livre de dúvida que igual tratamento tem de ser dispensado ao caso de omissão ou invalidade de alguma citação de litisconsorte necessário. Não importa, para esse efeito, que a citação tenha ou não sido requerida; que o juiz a tenha determinado, segundo o mesmo artigo, ou não; que haja ocorrido ou não alguma controvérsia intraprocessual a respeito da necessida­de dela: onde quer e quando quer que se constate a omissão ou a invalidade da citação obrigatória, a conseqüência se há de produzir com a mesma intensidade e com o caráter automático que teria na formação e desenvolvimento do processo sem se haver percebido a necessidade do litisconsórcio. Também não afeta a conseqüência o tratar‑se de litisconsórcio necessário "por força de lei" ou por inscindibilidade lógica do julgamento.[28]

A necessidade do litisconsórcio passivo - esta é a idé­ia que importa fixar - significa também a necessidade da citação de todos os litisconsortes, sob a mesma sanção do pa­rágrafo citado. Desatendida essa necessidade, apresenta‑se caso de "ineficácia absoluta" da sentença que venha a ser proferida, porque essa é a opção legislativa nacional, isso significando que não apenas os interessados cuja citação se omitiu, ou se fez deficientemente, mas também os demais permanecem aptos a resistir à "execução" (latissimo sensu, significando imposição de efeitos) do julgado, pela via dos embargos, se cabíveis, ou por outras que a essa eqüivalham, como adiante se há de ver.

 

7. Com freqüência e autoridade preocupantes, afirma‑se que a sentença nula pleno iure, tanto quanto a inexistente, seria impassível de rescisão, porque a absoluta nulidade seria argüível a todo tempo, por qualquer pessoa e sem submissão a qualquer requisito formal. É tempo de repetir, ainda uma vez, que os critérios segundo os quais se faz a classi­ficação dos vícios dos atos jurídicos em geral não são bas­tantes, e talvez sequer sejam bons, para os atos processua­is e sobretudo para as sentenças. Quanto a estas, não se pode perder de vista que o trânsito em julgado, fenômeno que lhes é específico e exclusivo, tem uma potencialidade sana­tória igualmente peculiar e exclusiva. Esse específico po­der de sanação inerente à coisa julgada obriga a uma visão também diferenciada do problema da validade.

É preciso que se distingam, nessa linha de raciocínio, três graus de estabilidade, ou de imodificabilidade, do julgado. Grau mínimo, na sentença ainda recorrível, representativa da oferta, não ainda da entrega, da prestação jurisdicional, sujeita à critica das partes e à reapreciação even­tual de outro órgão da jurisdição. Grau médio, na sentença já irrecorrível, transitada formalmente em julgado, mas passível ainda, teoricamente ao menos, de rescisão. E grau má­ximo no julgado que sequer pela via rescisória pode ser ma­is atacado.

Os motivos pelos quais se pode hostilizar a sentença na via recursal coincidem em grande parte com os fundamentos invocáveis para pedir‑se a rescisão das sentenças transitadas em julgado. Por outras palavras, as causas de rescisão, in­tegrantes de um numerus clausus posto na lei, compreendem motivos de "mérito" e razões de forma, muitos dos quais, antes de passar a decisão em julgado, seriam igualmente motivos de pedir‑se sua "reforma". Os errores ocorrentes, in iudican­do ou in procedendo, que talvez venham a ser apontados como base para o pedido rescisório, foram antes disso, em grande parte, fundamentos possíveis para recorrer.

O trânsito em julgado, pois, nada mais é do que técni­ca de estabilização, mais atenta a necessidades práticas do convívio social do que a imperativos de ordem estritamente jurídica ou de preservação do valor justiça. Não é por ou­tro motivo que se mostram tão insatisfatórias todas as ten­tativas de justificar a coisa julgada em bases rigorosamen­te jurídicas, sem apelo a considerações de ordem política. Ora, como técnica de estabilização, voltada antes de tudo para o interesse da segurança e fixidez, não poderia deixar de estender sua força preclusiva também às "nulidades" aca­so existentes mas não detectadas em qualquer instância. A imperiosa necessidade de que os litígios findem algum dia, sobrepondo‑se a outros interesses e valores, também supera a distinção acadêmica entre nulidade e anulabilidade: uma e outra convertem‑se, indiferentemente, em rescindibilidade, e ainda assim nos limites estreitos ditados pelas razões de política legislativa. Com a passagem da sentença em julgado, em regra, as nulidades absolutas ou relativas, propriamente ditas ou simples anulabilidades, ou são de todo apagadas ou assumem a feição de mera rescindibilidade. Essa idéia, pos­ta em palavras inexcedivelmente claras e por isso dignas de transcrição, foi assim exposta:

"A nulidade do ato comporta consideração exclusivamen­te 'endo‑processual', para que, pendente o processo a­inda, o ato imperfeito (ou contaminado por defeito an­terior) receba a sanção consistente na anulação: essa anulação só pode ser imposta mediante outro ato proces­sual (o que é caraterístico do sistema de nulidades em direito processual, que é ramo do direito público). (...). As nulidades são vicissitudes da vida do processo e perdem todo significado e razão de ser quando ele se extingue, tornando‑se irrecorrível a sentença dada: com o trânsito em julgado, a preclusão máxima que sobre e­la se abate impede que qualquer questão relevante para o processo ou seu resultado (sentença, seus efeitos) venha ainda a ser proposta, ou reproposta. Trata‑se da eficácia preclusiva da coisa julgada formal, expressa no art. 474 do Código de Processo Civil."[29]

Visto o problema por esse ângulo, pode‑se dizer que a invalidade acaso presente na sentença deixa de existir como tal a partir do seu trânsito em julgado. Ou, com melhor ex­pressão, "em regra, após o transito em julgado (que, aqui, de modo algum se preexclui), a nulidade converte‑se em sim­ples rescindibilidade".[30] Isso - cabe acrescentar - quando não desaparece de todo, sepultada pela preclusão máxima, pois nulidades há que não sobrevivem à coisa julgada formal sequer sob essa singular configuração de rescindibilidade e extinguem‑se com o processo em cujo bojo se haviam mani­festado: basta que não estejam arroladas entre as causas de rescisão.

 

8. Nem todos os defeitos do processo, entretanto, sub­metem‑se a essa alternativa entre o desaparecimento e a so­brevivência sob a nova forma de rescindibilidade. Como referido anteriormente, a excepcional gravidade da falta ou nu­lidade da citação, seguida de revelia do demandado, condu­ziu o legislador a uma solução única e altamente diferenciada para a anomalia. A fim de permitir ao revel subtrair‑se aos efeitos de um julgamento desfavorável lançado em processo ao qual foi ele de fato estranho, porque suprimida a possibilidade de efetiva instauração do contraditório, assegu­rou‑se‑lhe a faculdade de opor‑se à própria execução da sentença, pela via dos embargos, sob invocação da falha ocorrida no processo de conhecimento.

Esse o caminho normal de que dispõe o vencido, portan­to, o único, aliás, explicitamente mencionado na lei do processo. Mas, como também já foi ponderado, o emprego possível desse remédio é consideravelmente limitado por condicionantes que podem estar, inclusive, na dependência do arbítrio da contraparte. Antes de tudo, é preciso que haja uma execução, envolvendo o pressuposto de ser condenatória a sentença. E não se duvidará de que julgados altamente gra­vosos para o revel possam ser meramente declaratórios ou constitutivos: pense‑se, por exemplo, na sentença de divór­cio ou na negatória de paternidade. Em casos tais, e também quando o provimento judicial seja exeqüível em estrito sen­tido mas nunca chegue a ser efetivamente executado, a opor­tunidade para os embargos não se apresenta. Não seria razo­ável, pois, limitar o exercício da pretensão veiculável se­gundo o art. 741, I, a essa via manifestamente insuficiente e sujeita, de resto, a um prazo curto e peremptório.

 

9. Todas as considerações já alinhadas conduzem à con­clusão de continuar admissível no direito brasileiro contemporâneo a ação autônoma de desconstituição da sentença pro­ferida contra o revel não citado, que representa a continuidade e a sobrevivência, pelo menos nessa limitada hipótese, da querela nullitatis. Significa isso que a postulação em juízo pela nulidade da sentença independe, no caso, tanto de sua rescisão como do uso de embargos à execução, com al­gumas conseqüências relevantíssimas. A primeira é a de não se precisar dirigir a argüição a um juízo de grau ou hierarquia superior à do prolator da sentença, mas a este mesmo. Outra é a de não se submeter a ação cogitada ao curto prazo decadencial em que é proponível o pedido de rescisão.

A absorção das velhas hipóteses de querela nullitatis pela moderna ação rescisória, portanto, não se fez por com­pleto no direito brasileiro. O vício em causa continua a ser considerado suficientemente grave para resistir a essa absorção, assim como resistiu à eficácia sanatória da res iu­dicata.[31] Como a doutrina, a jurisprudência tem consagrado a admissibilidade da querela nullitatis sob essa forma mo­derna, tratando‑a como ação autônoma, "ordinária" (no sentido de atípica, sem referência ao procedimento) e declarató­ria. Merece particular atenção um antigo acórdão paulista, por haver tratado com notável exatidão os temas envolvidos, ainda sob a vigência do Código de Processo Civil de 1939. O enunciado principal da ementa merece transcrito:

"Subsiste em nosso direito, como último resquício da querela nullitatis insanabilis, a ação declaratória de nulidade, quer mediante embargos à execução, quer por procedimento autônomo, de competência funcional do juízo do processo original. A sobrevivência, em nosso di­reito, da querela nullitatis, em sua formação primiti­va, restrita aos vícios da citação inicial, correspon­de a uma tradição histórica, cujo acerto, na moderna conceituação da relação jurídica processual, adquire flagrante atualidade. Na evolução do direito luso‑bra­sileiro, a querela nullitatis evoluiu até os contornos atuais da ação rescisória, que limitou a antiga pres­crição trintenária para o lapso qüinqüenal de decadên­cia. Todos os vícios processuais, inclusive os da sen­tença, uma vez transitada esta em julgado, passaram a ser relativos e, desde que cobertos pela res iudicata, somente são apreciáveis em ação rescisória, especifica à desconstituição do julgado. Um deles, porém, restou indene à transformação da querela nullitatis em ação rescisória: a falta de citação inicial, que permaneceu como nulidade ipso iure, com todo o vigor de sua con­ceituação absoluta de tornar insubsistente a própria sentença transitada em julgado.[32]

A mesma tese tem prevalecido no Supremo Tribunal Fede­ral, dentre cujos arestos sobre o tema pode ser destacado o seguinte, emitido por seu plenário e contendo em alguns dos votos proferidos análise excelente do tema:

"Ação declaratória de nulidade de sentença por ser nu­la a citação do réu revel na ação em que foi proferida.

1. Para a hipótese prevista no art. 741, I, do atual CPC - que é a da falta ou nulidade da citação, havendo revelia - persiste, no direito positivo brasileiro, a querela nullitatis, o que implica dizer que a nulidade da sentença, nesse caso, pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do prazo pa­ra a propositura da ação rescisória, que, a rigor, não é a cabível para essa hipótese."[33]

Esses julgados, citados a título meramente exemplifi­cativo, traduzem filiação unânime dos tribunais pátrios aos pontos básicos da doutrina aqui sustentada.

10. A apontada sobrevivência da querela nullitatis pa­ra a hipótese em foco, evidentemente, não significa só por si a exclusão de outros remédios jurídico‑processuais voltados para o mesmo objetivo. Desde logo, está apontada na lei a via dos embargos à execução, na regra da qual, de certo modo, se infere tudo o mais que vem sendo afirmado. Não falta, aliás, quem defenda a argüibilidade do vício sob qual­quer forma, como mero incidente, até mesmo "por simples pe­tição".[34]

Interessa particularmente indagar, por razoável a dúvida sobre o ponto e porque já eventualmente questionado, da admissibilidade da própria ação rescisória para o caso. Ob­serve‑se, inclusive, que o citado aresto do Pretório Excel­so sugere certa reticência a respeito, verbis: "...ação rescisória que, em rigor, não é a cabível para essa hipótese." Anote‑se, mais, que alguns setores da doutrina rejeitam ma­is direta e enfaticamente o cabimento da rescisória, sobre­tudo a partir da idéia de tratar‑se de sentença inexistente que por isso mesmo não precisa de rescisão nem a comporta, ou de que sua nulidade seria pleno iure, dai decorrendo a mesma conseqüência.[35] Mas, de outra banda, pode‑se encon­trar abundância de julgados que rescindiram sentenças por esse fundamento, muita vez sem sequer discutir a admissibi­lidade do remédio. E também essa admissibilidade, quando e­xaminada como questão proposta, tem inclinado pela afirmativa os pretórios, ao modo do que se pode também constatar na doutrina.[36]

À objeção segundo a qual não se pode rescindir, des­constituir, desfazer o que não existe, facilmente se responde que o caso é de sentença existente, embora nula. E à de ser igualmente impassível de rescisão o ato nulo de ple­no direito, porque desnecessária, igualmente se pode contrapor que a distinção entre nulo e anulável, ou entre nulida­de absoluta e relativa, não tem a importância que lhe atri­bui a doutrina presa aos critérios discretivos acadêmicos: os vícios da sentença, mesmo os de nulidade dita pleno iure, são primeiro alegáveis mediante recurso, mas o supervenien­te trânsito em julgado em regra os transmuda em simples rescindibilidade, se é que não os apaga de todo - como já foi demoradamente analisado. Nula pleno iure seria, à luz de todos os critérios consagrados, a sentença proferida por juiz peitado, e isso não impede que ela abra o elenco das rescindíveis, no art. 485, I, do CPC.

Não se veja dificuldade, outrossim, em emoldurar a hi­pótese na casuística do citado artigo. Seu inc. V tem espectro suficientemente largo para acolher a espécie. Está am­plamente vitoriosa na literatura e na jurisprudência de ho­je a tese da inclusão nesse prospecto legal das infrações à lei processual,[37] do que se chegou a duvidar em outros tem­pos. Ora, a sentença proferida à revelia do réu cuja cita­ção não se fez validamente, ou de todo não se fez, é sentença lançada com afronta a literal disposição de lei.

          Também o argumento por vezes invocado da falta de inte­resse, capaz de conduzir à carência de ação, pode ser reba­tido sem maior dificuldade. A objeção seria esta: não se poderia explicar a propositura da ação de rescisão, quando se sabe que o autor desta não se acha de modo algum afetado pe­la sentença rescindenda, e portanto não se beneficiaria de qualquer "utilidade" da sentença rescindente. Ora, no fun­do, o problema é ainda o da suposta "indiferença" da sen­tença relativamente à parte cuja citação não se fez valida­mente. Ocorre que, mesmo imune aos efeitos jurídicos dela, podem ser inevitáveis os efeitos práticos sobre o crédito, o bom nome e a tranqüilidade da pessoa em causa. O restabele­cimento desses valores, que sem dúvida são juridicamente relevantes e dignos da tutela jurisdicional, representa utilidade suficiente para a configuração do interesse processual no sentido chiovendiano.

Mesmo que se questionem todos esses argumentos, de res­to, permanece o fato de que a jurisdição tende a ampliar a esfera de seu exercício, com gradativa supressão das restrições existentes, na medida em que se a vê cada vez mais co­mo mecanismo de tutela de interesses, e não apenas como ma­nifestação do poder estatal. Aos indivíduos, aos grupos e ao próprio Estado convém que o exercício do poder jurisdicional cubra a mais extensa gama possível de conflitos a cuja solução seja adequado. Ora, se é verdade que, mesmo duvidosa a presença do "interesse processual" no mais rigoroso sentido que a doutrina dá à expressão, é certo que a parte tem beneficio a extrair da sentença pretendida (no caso, a de rescisão), não há por que se lhe fecharem as portas do pre­tório. Em atenção a essa ordem de considerações relevantís­simas, e não somente "em obséquio ao principio da instrumentalidade do processo", é que se tem "admitido a rescisória como via hábil para a declaração da nulidade pleno iure (v. g., quando nula a citação), segundo espécime jurisprudencial recente e representativo de uma clara tendência.[38] Não se trata, pois, de simplesmente admitir que, inci­dental ou acidentalmente, nos autos de uma ação rescisória proposta com fundamento outro, se venha a declarar a nulida­de do processo anterior e, pois, da sentença rescindenda, por falta ou nulidade da citação correspondente.[39] Admissível é, isto sim, a propositura da ação rescisória com o es­pecifico objetivo de desconstituir aquela sentença, pelo referido motivo.

 

11. À vista do exposto, não há por que limitar‑se ou condicionar‑se o emprego de qualquer desses diversos remédios processuais segundo o momento ou a eventual preclusão a­caso ocorrida em relação a algum deles. Desde o momento em que transita em julgado a sentença, o réu, que não foi validamente citado e caiu em revelia, está habilitado a servir‑se da querela nullitatis como ação "ordinária", declaratória e autônoma, ou da ação rescisória, sem restrição alguma na escolha que exercerá segundo sua melhor conveniência. Se, ao demais, a sentença está sendo executada, e flui o prazo para os embargos do devedor, ajunta­‑se a essa alternativa dita ação incidental segundo o art. 741, I, do CPC. Esse conjunto de "ações" (no impróprio mas usual sentido de remédios jurídico‑processuais) se oferece ao interessado em típico "concurso eletivo",[40] sendo‑lhe lícito servir‑se indiferentemente de qualquer dos vários re­médios a cujo respeito não se haja consumado ainda alguma modalidade de preclusão.

Não cabe invocar‑se o art. 245 do CPC para excluir‑se o exercício da ação rescisória, ou o da querela nullitatis, tendo a parte perdido o prazo para embargar, quando cabível. Essa preclusão é exclusivamente "endo‑processual", dizendo respeito só à argüibilidade das nulidades no próprio processo onde ocorreram.[41] Menos ainda se haveria de supor que, a­pós findar o prazo de decadência da rescisória, também decairia a parte da ação de nulidade, o que implicaria, na prática, reduzir‑se a hipótese a um caso a mais de rescisão.

Assim, mesmo dispondo dos embargos (que, a toda evidência, em princípio lhe convêm melhor, mercê de sua eficácia suspensiva da execução), a parte pode preferir a ação res­cisória (se não fluiu ainda o biênio decadencial) ou a ação autônoma de nulidade. Esse concurso eletivo só deixará de existir, portanto, quando se haja extinto ou não se haja a­berto o prazo para embargar e também o prazo decadencial do pedido de rescisão tenha‑se esgotado. Isso ocorrendo, res­tará a querela de nulidade como via única remanescente.

É oportuno ponderar, contudo, que, como em regra ocor­re nos concursos eletivos de "ações", electa una via, non datur regressus ad alteram. Portanto, veiculada a pretensão por qualquer dos caminhos disponíveis (embargos, ação rescisória ou querela nullitatis), fecham‑se os demais.

 

12. Se é exato o que ficou exposto, podem‑se estabele­cer algumas conclusões relevantes quanto aos temas discuti­dos.

a) Quando se trata da validade de atos processuais, e em particular da sentença, o esquema classificatório dos vícios fixado pela doutrina tradicional, se aproveitável, tem de ser tomado com cautela, tendo‑se em cuidadosa linha de conta a especificidade daqueles atos e sobretudo a eficácia sanatória peculiaríssima da coisa julgada. Daí decorre que a distinção clássica entre nulidade pleno iure, nulidade relativa e anulabilidade perde relevo quando se fala da sen­tença transitada em julgado, pois desde então os vícios de­la ou desaparecem ou convertem‑se em simples rescindibilidade, em regra.

b) A essa sanabilidade faz exceção, por imperativo le­gal atento aos princípios basilares do processo, a hipótese da sentença proferida à revelia do réu que não fora citado, ou cuja citação fora nula. Em tal caso, a sentença existe, mas é nula, podendo ser sua invalidade declarada mediante querela nullitatis, assim como pode ser rescindida segundo o art. 485, V, do CPC, ou ainda neutralizada em sua execu­ção pela via dos embargos do executado (CPC, art. 741, I).

c) Essas diferentes vias de manifestação da pretensão do revel não citado ou mal citado correspondem em realidade a uma ação de nulidade, ou querela nullitatis, que, portan­to, para o caso e com caráter excepcional, sobrevive no di­reito brasileiro atual.

d) O concurso de remédios jurídico‑processuais é eletivo, dispondo o interessado de qualquer deles, à sua escolha, enquanto não ocorra a respeito de cada qual alguma forma de preclusão.

(Março de 1987)

 

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[1] Dificilmente algum autor, entre os nacionais, terá sido mais ri­goroso e preciso, a propósito da separação entre os planos da existên­cia, da validade e da eficácia, do que PONTES DE MIRANDA, v. g., nos Comentários ao Código de Processo Civil (de 1973), t. III, p. 449 e s. e no Tratado de direito privado, t. 4, p. 3‑6 e passim.

 [2] BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código de Processo Civil, v. V., p. 113 (5ª ed., 1985).

[3] Cf. MONIZ DE ARAGÃO, Comentários ao Código de Processo Civil, v. II, p. 338 (4ª ed., 1983).

[4] BATISTA MARTINS, Comentários ao Código de Processo Civil, v. III, p. 232 e s. Aparentemente, também MORAES E BARROS, Comentários ao Código de Processo Civil, v. IX, p. 428.

[5] Dizer‑se que o ato nulo "não produz efeito algum" é "afirmação de pequeno alcance no direito processual, porque, mesmo nulos, produzem e­feitos normais até serem invalidados..." (MONIZ DE ARAGÃO, Coment. e v. cit., p. 340. A inadequação do binômio clássico nulidade‑anulabilidade ao ato processual e sobretudo à sentença conduz a equívocos como o do exímio especialista BUENO VIDIGAL, que viu na rescisória uma declaratória de nulidade (Da ação rescisória de julgados, p. 16). Mas o mesmo autor classifica a ação, corretamente, como constitutiva, em seus Comentários ao Código de Processo Civil, v. VI, p. 39 e 227.

[6] Vira‑o já GALENO LACERDA, Despacho saneador, p. 69 - provavelmente a primeira e ainda a melhor sistematização da matéria na litera­tura nacional.

 [7] BARBOSA MOREIRA, Coment. e v. cit., p. 294.

 [8] "Do exame das fontes não resulta que a r. i. i. tivesse tido a­plicação contra o julgado nulo, mas, tão somente, contra os efeitos iníquos de julgados formalmente válidos. O fundamento da restitutio praetoria é sempre a eqüidade. Nem a nulidade formal, nem a injustiça substancial..." (LOBO DA COSTA, "A revogação da sentença - perfil históri­co", in Revista da Faculdade de Direito de São Paulo, v. LXXII, 2° fascículo, p. 201 e s.

 [9] Por isso, não se pode estabelecer correlação rígida entre recur­so e injustiça da decisão, de um lado, e ação impugnatória e vício formal, de outra banda, como, entre outros, pretendeu ZANZUCCHI, Diritto processuale civile, v. II, p. 175 e s. (5a ed., 1955). Cf., sobre isso e o mais que vem sendo exposto, a excelente resenha histórica feita por CALAMANDREI, La cassazione civile (v. VI e VII das Opere giuridiche) - ou, mais abreviadamente, no verbete Cassazione civile do Nuovo Digesto Italiano, v. II. Cf., outrossim, LIEBMAN, nota 4 às Instituições de CHIOVENDA, v. III, p. 200; MACHADO GUIMARÃES, Limites objetivos do recur­so de apelação, p. 50.

[10] Anotando a constatação, BARBOSA MOREIRA observa, entretanto, que a ZPO da Alemanha Oriental, de 1975, abandonou esse padrão ao reunir as hipóteses sob o nome e a disciplina unificada de revisão (Coment. e v. cit., p. 107, nota 147).

 [11] A idéia foi assim excelentemente exposta por RAMOS MENDEZ, que se rebela contra a inclusão da revisión espanhola (na verdade, uma resci­sória) entre os recursos: Derecho Procesal Civil, p. 737.

[12] A sentença reformada é substituída por outra, de teor diverso, emitida pelo juízo ad quem; a sentença anulada (ou declarada nula) é suprimida do mundo jurídico pelo órgão recursal, e deve ser substituída por outra no juízo a quo ou por outro do mesmo grau; a sentença cassada é simplesmente suprimida, sem que nada a substitua, como no caso de haver sido proferida prematuramente.

 [13] Retro, nota 5.

[14] Pode‑se certamente pensar em outras "formas não recursais de impugnação às sentenças e acórdãos". OVIDIO BAPTISTA DA SILVA - quem cu­nhou essa designação genérica - por exemplo, alinha: uniformização de jurisprudência, reexame necessário, correição parcial, avocatória (RISTF, art. 252), reclamação (RISTF, art. 156), mandado de segurança, embargos de terceiro, ação cautelar inominada, e habeas corpus (Curso de processo civil, v. I, p. 408 e s.). Mas tais cogitações situam‑se, por certo, fora do círculo de idéias a que se atém o presente estudo.

 [15] Cf. ANTONIO JANYR DALL’AGNOL JR., Comentários ao Código de Pro­cesso Civil, v. III, p. 262.

[16] MILTON SANSEVERINO e ROQUE KOMATSU, A citação no direito processual, p. 36.

[17] HUMBERTO THEODORO JR., A execução de sentença e a garantia do devido processo legal, p. 240.

[18] Por THEODORO JR., op. e loc. cit. Mas não parece acolhível a sugestão, aparentemente embasada em confusão entre os conceitos de parte em sentido de direito material e em acepção de direito processual. Ci­tado ou não, o réu foi parte no processo desde o momento em que contra ele se voltou a demanda.

[19] Veja‑se, por exemplo, a critica ácida de PONTES DE MIRANDA a BUE­NO VIDIGAL, em um dos raros momentos em que abandonou sua olímpica in­diferença pela literatura nacional (Coment. cit., t. VI, p. 250).

 [20] Alinha‑se com essa idéia a interessante sugestão de CALMON DE PASSOS para subordinar‑se todo o capítulo das nulidades processuais, em visão rigorosamente teleológica, aos "fins de justiça do processo" (Co­mentários ao Código de Processo Civil, v. III, p. 443 e s. da 4a ed., de 1983), segundo já propunham SATTA (Diritto processuale civile, n° 112) e ZANZUCCHI (op. cit., p. 409). A crítica abalizada de MONIZ DE ARAGÃO (Coment. e v. cit., p. 336) quanto ao demasiado subjetivismo do critério tem sua razão, mas o filão aberto merece exploração mais pro­funda.

[21] Como, por exemplo, ARRUDA ALVIM, Manual de Direito Processual Civil, v. II, p. 157, contentando‑se com afirmar que a sentença "não terá valor jurídico". Ou LIEBMAN, ao dizer que o vício "torna radical­mente nulo, juridicamente inexistente o processo, igualmente nula e i­nexistente a sentença proferida". (Estudos sobre o processo civil brasileiro, p. 185). E, no entanto, o mesmo LIEBMAN preocupou‑se alhures em fixar com rigor o conceito de inexistência (adiante, nota 22).

 [22] LIEBMAN, Manual de Direito Processual Civil, tradução Dinamarco, v. I, p. 627‑8, n° 124.

[23] COUTURE, Fundamentos del derecho procesal civil, p. 377.

[24] Assim, entre outros, PONTES DE MIRANDA, Coment. cit., t. XI, p. 94, além da passagem citada à nota 19 e várias outras; BARBOSA MOREI­RA, Coment. e v. cit., p. 112; BUENO VIDIGAL (este algo confuso e contraditório), Comentários ao Código de Processo Civil, v. VI, p. 36‑9, n. 27 a 29, e Da ação rescisória de julgados, p. 16; CELSO NEVES, Comentários ao Código de Processo Civil, v. VII, p. 254; HUMBERTO THEODORO JR., A execução... cit., p. 240; idem, Curso de Direito Processual Civil, v. I, p. 312; DALL'AGNOL JR., Comentários ao Código de Processo Civil, v. III, p. 262; JOSÉ DA SILVA PACHECO, Direito Processual Civil, p. 429; idem, verbete "Nulidade processual", no Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, XXXIV; ANTÔNIO CARLOS COSTA E SILVA, Tra­tado do processo de execução, 2° v. p. 1341 (2ª ed., 1986); ULDERICO PIRES DOS SANTOS, O processo de execução na doutrina e na jurisprudên­cia, p. 476; FREDERICO MARQUES, Manual de Direito Processual Civil, v. 3, p. 233 ; MÁRIO AGUIAR MOURA, Embargos à Execução, p. 216 (4ª ed., 2ª tir., 1987).

[25] Entre outros, sustentam a inexistência dessa sentença, com fir­meza e convicção, MONIZ DE ARAGÃO, Coment. e v. cit., p.339; AMÍLCAR DE CASTRO, Comentários ao Código de Processo Civil, v. VIII, p. 393; COS­TA E SILVA, Tratado e v. cit., p. 1341; VICENTE GRECO F°, Direito Processual Civil  Brasileiro, v. 2, p. 364; NÉLSON LUIZ PINTO, Ação de Usu­capião, p. 81. Em alguns passos, também LIEBMAN, como em Processo de Execução, p. 218 (4ª ed., 1980) e em "Parecer" in Revista dos Tribunais, v. 152, p. 443, depois incluído nos Estudos sobre o processo civil brasileiro, p. 186; CÂNDIDO DINAMARCO, nota 167 do tradutor ao Manual de Di­reito Processual Civil de Liebman; BUENO VIDIGAL, Da ação rescisória cit., p. 33; idem, Coment. e v. cit., p. 218.

[26] O exemplo é de MONIZ DE ARAGÃO, op. e loc. cit. à nota 25.

[27] Tenham‑se em conta, porém, importantes ressalvas e objeções co­mo as de DINAMARCO, Litisconsórcio, p. 196 e s., e NELSON JOBIM, "A sentença e a preterição de litisconsorte necessário", in AJURIS, n° 28, p. 32.

[28] A distinção foi sugerida por JOBIM, art. cit., para limitar a ineficácia à segunda classe. Mas não parece procedente a distinção. O próprio exemplo da ação de usucapião, com o qual se ilustrou a tese em menção, contém a inaceitável idéia de que a aquisição por usucapião estaria declarada por sentença com plena eficácia, relativamente a al­guns confrontantes (citados), mas não em face de outros (não citados). Ora, a natureza mesma do instituto da usucapião impõe a eficácia (ou ineficácia) erga omnes. Sem radicalizar, THEODORO JR. também parece su­gerir tratamento diferenciado (verbis "...mormente quando, alem de ne­cessário, tratar‑se de litisconsorcio unitário...") no seu excelente estudo sobre "Nulidade, inexistência e rescindibilidade da sentença", in Revista de Processo, n. 19, p. 23.

 [29] DINAMARCO, Litisconsórcio, p. 196.

[30] BARBOSA MOREIRA, Coment. e v. cit., p. 111; LIEBMAN, Manual e v. cit., p. 266; ROGÉRIO LAURIA TUCCI, "Ação rescisória", in Da ação e do processo civil na teoria e na prática, p. 26.

[31] COSTA E SILVA, Tratado e v. cit., p. 1341; SILVA PACHECO, "Nulidade processual" cit.; PONTES DE MIRANDA, Coment. cit., t. XI, p. 92‑3, com amplíssima ilustração bibliográfica dos velhos praxistas e decisionistas; CELSO NEVES, Coment. e v. cit., p. 256; LIEBMAN, "Nulidade da sentença proferida sem a citação do réu", in Estudos cit., p. 181 e s.; idem Processo de execução cit., p. 217.

 [32] 4ª Câm. Civ. do Trib. Alç. de S. Paulo, in Rev. dos Trib., vol. 386, p. 211.

[33] Ac. un. do Tribunal Pleno, no RE 97.589‑ó‑SC , julg. em 17.11.82, Rel. Min. MOREIRA ALVES, in LEX‑JSTF, v. 56, p. 177. Cf. tb. RTJ‑STF, 110/210, 104/826 e 107/778.

[34] Cf. ARRUDA ALVIM, Manual cit., v. II, p. 157.

[35] 35. Assim, THEODORO JR., "Nulidade, inexistência...” cit. à nota 28, p. 28: "O que não será correto é pronunciar julgamento com o sentido de rescisão de sentença nula ou inexistente." É visível o condicionamento a que já aludimos ao rígido esquema classificatório acadêmico dos vícios, com invocação de ensinamento de PONTES DE MIRANDA - autor que, en­tretanto, admite a rescisória para a hipótese (adiante, nota 36). Também, em termos ainda mais definitivos, COSTA E SILVA, Tratado e v. cit., p. 1341.

[36] Assim, como antes referido, PONTES DE MIRANDA, para quem a res­cisória apenas deixa de ser a única via aberta para a desconstituição, sendo, portanto, uma delas (Coment. e t. cit., p. 94). Também ARRUDA ALVIM, Manual e v. cit., p. 157; MONIZ DE ARAGÃO, Coment. e v. cit., p. 338; GRECO F°, Direito Processual... e v. cit., p. 364.

[37] Cf. BARBOSA MOREIRA, Coment. e v. cit., p. 133; PONTES DE MIRANDA, Coment. cit., t. VI, p. 303 e s.; idem, Tratado da ação rescisória, § 24, p. 303; DINAMARCO, Litisconsórcio cit., p. 236; TORNAGHI, Comentários ao Código de Processo Civil, v. I, p. 220; FREDERICO MARQUES, Ma­nual de Direito Processual Civil, v. 3, p. 261; THEODORO JR., Processo de conhecimento, v. 2, p. 807. Contra, BUENO VIDIGAL, Da ação rescis... cit. p. 58‑9; idem, Coment. e v. cit., p. 100‑3, seguido por ADA PELLEGRINI GRINOVER, Direito Processual Civil, p. 165; LOPES DA COSTA, Di­reito Processual Civil Brasileiro, v. III, p. 453. A ampla adesão da jurisprudência à tese do texto pode ser conferida em ALEXANDRE DE PAU­LA, O processo civil à luz da jurisprudência (nova série), v. IV, números 8.553, 8.568, 8.573, 8.573‑A e 8.550 (p. 330 a 336) e em JURANDYR NILSSON, Nova jurisprudência de processo civil, v. II, números 543 e 546 (p. 589 a 591) .

[38] Ação rescisória nº 853, Trib. de Just. de Minas Gerais, julgada em 20.11.85, apud SÁLVIO FIGUEIREDO TEIXEIRA, Código de Processo Civil anotado, p. 217 (3ª ed., 1986).

[39] É o que sugere, em tom de concessão, THEODORO JR. (v. nota 35).

 [40] Cf. AMARAL SANTOS, Primeiras linhas de direito processual civil, v. 1, p. 160‑1; GABRIEL REZENDE F°, Curso de direito processual civil, v . I, p . 17 8‑9.

[41] Poder‑se‑ia extrair a inferência, contudo falsa, da leitura de PAULO FURTADO, Execução, p. 294.

 

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