QUERELA NULLITATIS E AÇÃO RESCISÓRIA
SUMÁRIO
1.
Considerações gerais sobre os vícios
da sentença. 2. Notícia
histórica. 3. Abrangência
da ação rescisória no Direito Brasileiro atual.
4. Réu revel nulamente citado ou não citado.
5. Falta ou nulidade da citação seguida de revelia: natureza do vício.
6. Situação especial do litisconsorte passivo não citado ou mal
citado. 7. Eficácia sanatória
da coisa julgada e seus limites. 8. Os embargos do art. 741, I, do CPC. 9. Sobrevivência da querela nullitatis.
10. Argüibilidade do vício mediante ação rescisória.
11. Fungibilidade dos remédios processuais utilizáveis.
12. Conclusões.
1.
Sempre que se fala de ato viciado, está‑se a pensar em ato existente,
no sentido físico e no jurídico. A propósito daquilo que não se
manifestou no mundo ou, manifestando‑se, não penetrou na esfera jurídica,
descabe pensar‑se em validade ou invalidade, em eficácia ou ineficácia.[1]
O "não‑ato" há de ser, no máximo, aparência de ato,
embora se possa imaginar que, por razões de clareza e segurança, alguém
promova em juízo a declaração de inexistência dele, a fim de que a suposição
de existência não cause prejuízos ou embaraços ao interessado. A ação
correspondente ‑ e a sentença que a acolher ‑ será das mais típicas
declaratórias negativas dentre quantas se possam conceber.
Em
se tratando de sentenças, a distinção entre os planos da existência, da
validade e da eficácia continua a ter a relevância de sempre. Sobretudo
quando se cogita de ação rescisória, importa muito ter-se presente que a
sentença rescindível não é sentença nula
(como afirmava o Código de Processo Civil de 1939, art. 798), nem
inexistente, ou simplesmente ineficaz. Por hipótese, ela transitou em julgado
(sem o que não seria passível de rescisão); existe, pois, vale e tem plena
eficácia enquanto não lhe sobrevenha a desconstituição. Aliás, a sentença
inexistente não precisa de rescisão nem sequer é passível dela, pois o que
jamais entrou no universo jurídico só pode ser nele tomado em consideração
a fim de acertar-se, declarar-se, tornar-se certo que não entrou, caso a tal
respeito se instale razoável dúvida. Também prescinde de rescisão a sentença
cuja eficácia não alcança determinado lugar, ou certa pessoa, ou não se
opera em determinadas circunstâncias. Nada preciso fazer para forrar-me aos
efeitos de sentença proferida por jurisdição à qual não estou submetido,
ou em processo no qual não assumi formalmente a posição de parte, ou dispôs
sobre bens que não estão e nunca estiveram em meu patrimônio. A buscar-se
alguma aproximação entre rescindibilidade, de um lado, e inexistência,
nulidade, anulabilidade ou ineficácia, de outro, ter-se-ia de admitir que a
única identificação possível seria com a anulabilidade.
“Rescindir, como anular, é desconstituir”.[2]
Advirta-se, porém, que também a sentença “nula” (como, e. g., a que julgou ultra
ou citra petita), transitando em julgado, como pode transitar ao contrário
da inexistente, converte-se em simplesmente rescindível, até por não dispor
o Direito de outro remédio que não a rescisão para desconstituí-la, mas
também por outras razões que em tempo serão analisadas.[3]
Nem há motivos para surpresa nessa identidade de tratamento entre atos
nulos e anuláveis, pois, ao contrário do que supuseram alguns doutores,[4]
a rigorosa aplicação dos princípios e critérios importados do Direito
Privado quanto às nulidades lato
sensu é impossível no campo do processo,[5]
inclusive porque neste a sanação, o aproveitamento e o suprimento têm
ensanchas bem mais largas de utilização, a ponto de apagar, em magna parte,
a distinção entre nulidade e anulabilidade.[6]
Aliás,
as imensas dificuldades encontradiças nas tentativas de transposição da
teoria das nulidades (eriçada já na origem de graves controvérsias e
incertezas) para o Direito Processual agudizam-se sobremaneira quando se
cuida de sentenças. Seria empreendimento deveras meritório a construção de
uma teoria própria das nulidades processuais desatrelada dos critérios,
conceitos e preconceitos consagrados na esfera do Direito Material. Enquanto
se espera uma tal sistematização, pode-se aproveitar, no pertinente à
sentença, uma fecunda meditação em torno dos seus vícios, que conduziu a
este interessante resultado:
"Lembraremos
apenas, em termos intencionalmente esquemáticos, e levando em conta os
dados do nosso direito positivo, que, do ponto-de-vista dos efeitos, os vícios
que elas podem apresentar são agrupáveis em três grandes classes: a) a dos
que não resistem à eficácia preclusiva da coisa julgada e, por isso, não
alegados em recurso, se tornam irrelevantes; b) a dos que, após o trânsito
em julgado, podem servir de fundamento à desconstituição, mediante ação
rescisória, mas não impedem a decisão de produzir, nesse ínterim, todos
os efeitos normais; c) a dos que, dispensando o exercício da rescisória, são
alegáveis como óbices à execução, através de embargos."[7]
Não
cabe duvidar‑se de ser esse um critério discretivo mais útil e mais
adequado ao exame do tema sob análise. Talvez fosse possível ajustá‑lo
à classificação tradicional dos vícios do ato jurídico, mas o
empreendimento não seria ameno e suas dificuldades poderiam superar a
utilidade dos frutos que se colhessem. Desde logo se pode antecipar o protesto
dos que se recusam a ver na hipótese sob letra c
caso de inexistência, como se dá com o próprio autor citado. Parece
acertado, pois, tomar‑se aquela tripartição como base para as
considerações seguintes.
2.
A tendência do Direito moderno é no sentido de reduzir a duas classes os
meios de ataque à decisão judicial: a dos que objetivam impedir seu trânsito
em julgado (recursos) e a outra dos
remédios que se voltam contra a própria coisa julgada já constituída (rescisão), em regra estabelecidos critérios mais estreitos de
admissibilidade e fundamentação vinculada para esta última. Importa
rememorar, ainda que muito aligeiradamente, a evolução histórica que desembocou
nessa tendência hodierna.
Em
Direito Romano, os errores in procedendo
de mais alta gravidade, infringindo regras processuais de máxima importância,
e bem assim alguns erros no julgar de seriedade igualmente extrema (contra ius constitutionis) conduziam à denominada nulla
sententia, defeito cuja alegação prescindia do emprego de qualquer
recurso ou ação. Ao interessado era lícito permanecer inerte e simplesmente
resistir aos efeitos do julgado, inclusive opondo o vicio da sentença à actio
iudicati. Essa nulla sententia,
gravemente viciada do ponto-de-vista processual, excepcionalmente podendo também
ser uma sentença (ainda gravemente) injusta, não era, como leitura apressada
talvez sugerisse, o que hoje chamaríamos sentença nula, mas o equivalente do
que a doutrina hodierna denomina sentença inexistente. É a ''sentença
nenhuma", aquela "não‑sentença" a cujo respeito sequer
cabe falar‑se de preclusão ou coisa julgada.
O direito intermédio, no seu vezo
conhecido de vestir institutos germânicos com a terminologia romana e
colori-los com a técnica judicial romana, produziu um remédio específico
para a impugnação dos erros de procedimento, já que a apelação
se havia firmado a partir do período da cognitio
extra ordinem como via de ataque principalmente (se bem que não
exclusivamente) ao julgamento de mérito. Surgiu, assim, a querela
nullitatis, que não assumia a feição completa da actio mas gozava de autonomia como imploratio officii iudicis. Objetivava a correção do error in
procedendo. Naturalmente, seu aparecimento correspondeu a uma idéia
mais expandida de preclusibilidade, alargada a decisões cujo vício até
então se havia considerado como oponível a todo tempo, independentemente de
prazo e de forma.
Ao
lado desses institutos, é bem conhecida dos romanistas a restitutio
in integrum, que viria a alcançar seu máximo desenvolvimento e mais
ampla utilização no Direito Comum. Por esse meio era a iniqüidade da
decisão o que se argüía, não sua deficiência formal, ou a do processo que
a tinha gerado.[8]
Retraçado
esse quadro, desconsideradas as distâncias, inclusive cronológicas, e postas
de lado as interferências reciprocas, identificam‑se três distintos
remédios para igual número de imperfeições do julgado. À injustiça
substancial da sentença corresponderia a appellatio;
ao vício formal a querela nullitatis e
à iniqüidade a restitutio. Não
seria possível, nesse quadro, sistematizar a distinção hoje corrente (mas
nem por isso uniforme na legislação) entre recursos e ações impugnatórias.
Outro dado a ter‑se em mente com especial atenção é este: os três
institutos interinfluíram, contribuindo cada qual deles para a formação e
desenvolvimento dos demais.[9]
No
direito europeu de hoje, a combinação dessas várias fontes produziu
resultados díspares. Assim, entre os povos germânicos costuma ser facilmente
identificável a distinção entre o remédio de revisão oriundo da querela
nullitatis e aquele proveniente
da restitutio in integrum, a cada
qual correspondendo denominação e disciplina diversas. O traço distintivo
que se pode perceber ainda na própria legislação brasileira
(confrontem‑se, por exemplo, as disposições dos incisos I e VII do
art. 485 do CPC) lá costuma aparecer mais nítido.[10]
No direito francês e no italiano, várias hipóteses que nos habituamos a
considerar como de rescisão aparecem como objeto de recurso de cassação
ou de outros mais delimitados, como o recours
en revision (antiga requête civile)
e a revocazione peninsular. A
legislação portuguesa, por largo tempo, manteve a dicotomia (entre nós
ainda presente) entre recursos (meios de impugnação obstativos do trânsito
em julgado) e ações autônomas de revisão (que pressupõem aquele trânsito).
Recentemente, porém, aderiu à tendência dominante na Europa central,
incluindo entre os recursos o de revisão, conquanto interponível de sentença
passada em julgado (CPC português de 1967, art. 676, 2, e art. 677).
3.
Quanto ao direito brasileiro, continua muito claramente gizada a bifurcação
até aqui aludida. E, embora não se deva perder de vista ser obra do
legislador a de dizer o que é ou não recurso, parece mais aceitável essa
solução, seja em perspectiva histórica, seja do ponto‑de‑vista
sistemático.
Com
efeito, o marco a todas as luzes mais adequado para separar os recursos
(impugnação no mesmo processo) das ações impugnativas (originadoras de
nova relação processual) há de ser o trânsito em julgado da sentença,
momento da formação da coisa julgada formal e ao qual em regra corresponde
a constituição da res iudicata em sentido material. É aí que se dá a plenificação
da eficácia do ato de julgamento e, o que mais importa, a efetiva realização
concreta da própria finalidade do processo. Desde então, as possibilidades
de impugnação da sentença têm‑se de reduzir a casos excepcionais,
rigidamente delimitados, sob pena de se ter de abrir mão da idéia mesma de
estabilidade dos julgados e de termo final dos litígios. A idéia foi
excelentemente exposta ao longo de fundamentada crítica à inclusão da revisión
espanhola no elenco dos recursos, com este destaque:
"La interposición de un recurso impide
precisamente la producción de la cosa juzgada, cuando, por el contrario, la
revisión se da contra las sentencias firmes, esto es, aquellas que, al menos
externamente, han ganado la fuerza de cosa juzgada. (...) No se trata por lo
tanto de una nueva fase del proceso, sino de la apertura de un nuevo proceso."[11]
Essas
considerações têm a mais completa procedência, e de
lege ferenda dariam orientação excelente ao legislador. Mas cabe lembrar
que a já referida "contaminação" entre os remédios impugnativos
é constatável invariavelmente nos textos normativos. A pureza do objeto da appellatio
(impugnação do julgado injusto), da querela
nullitatis (argüição de um vício de forma) e da restitutio
in integrum (insurgência contra a iniqüidade), a rigor jamais
realizada por inteiro, não é de esperar‑se nos sistemas jurídicos
resultantes da evolução mais recente, inclusive no brasileiro. Por via de
recurso, tanto se pode inquinar o decisório de injusto como de viciado ou
formalmente imperfeito, para pedir‑se, ao invés de sua reforma, a sua
anulação (lato sensu) ou cassaçã4 se esta, em terminologia rigorosa, for
considerada coisa diversa daquela.[12]
Outrossim, há casos de rescindibilidade indistinguíveis de motivos de apelação,
como os dos primeiros incisos do art. 485 do CPC, em contraste com os dos últimos,
que são só fundamentos de rescisão. E, dentre todos, alguns guardam a marca
visível da querela de nulidade (v. g., ofensa à coisa julgada), enquanto
outros denunciam facilmente sua filiação à restitutio
in integrum (como o da sentença fundada em erro de fato).
A
ação rescisória brasileira é eminentemente constitutiva. Como ficou dito
antes, rescindir é anular, desconstituir (na perspectiva, única ora
importante, do iudicium rescindes). Não importa muito se, na classificação acadêmica,
o vicio apontado seria de nulidade ou de anulabilidade. Para os fins aqui
considerados, as duas situações se eqüivalem, pois ninguém duvida de que o
trânsito em julgado, com seu poder de sanação, cobre também o defeito
maior desses dois, de tal sorte que também a sentença "nula"
produz efeitos enquanto não seja
rescindida. As contradições já apontadas[13]
são apenas o indesejável porto ao qual conduz a insistência na adoção de
critérios incompatíveis com a índole do direito processual e sobretudo das
sentenças.
Desconsideradas,
por atípicas e submetidas a disciplina compreensivelmente específica, as
sentenças "transparentes" cuja anulação (ao invés de rescisão)
o art. 486 do CPC autoriza, poderia parecer que a ação rescisória, com o
conjunto dos recursos, compõe um sistema fechado e completo de vias de
impugnação aos julgados. Com efeito, parecem absorvidas por esse esquema
todas as hipóteses provindas ou derivadas das três matrizes históricas
antes analisadas.[14]
Há,
contudo, uma especialíssima situação a reclamar exame mais detido, a fim
de que se apure sua inclusão ou não entre os casos de rescindibilidade e,
por outro lado, se investigue a possibilidade de utilização de outro remédio
processual que a resolva, isso significando não ser completa a aludida absorção.
Trata‑se da sentença proferida em processo no qual foi omitida, ou,
se realizada, foi nula a citação do réu depois caído em revelia. (Por
simplicidade de linguagem, desconsidera‑se, como a própria lei
desconsiderou, que, não havendo citação válida, também não pode haver a verdadeira
revelia).
4.
A citação é a garantia primeira e maior do contraditório processual. A
consagração legal, via obrigatoriedade absoluta da citação, do principio
da bilateralidade da audiência, representa uma especificação do principio
constitucional da isonomia.[15]
Dai a imperatividade com que, sob cominação enfática de invalidade, a lei
impõe a realização do ato; daí a acentuação incomum do rigor formal a
que se acha submetido, rigor pouco afinado com a tendência geral à
liberalização das formas processuais presente em todo o Código. É que
processo sem citação não assume a feição de actum
tria personarum, é procedimento unilateral, negação da garantia do
contraditório.
Naturalmente,
não é a citação em si mesma que importa, mas a finalidade a que ela se
presta. Dupla finalidade: convocação do réu a juízo (in
ius vocatio) e sua cientificação do teor da demanda formulada (edictio
actionis).[16]
Cumprida que seja a finalidade, com o demandado presente e ciente da postulação,
abre‑se mão da forma e até da existência material da citação. A
falta ou nulidade do ato, porém, assume importância enorme se o citando
permanece em silêncio e indiferença, caindo em revelia: a sentença que
porventura se venha a proferir em detrimento dele constitui verdadeira violência
ao seu direito, maior e mais grave em sistema processual, como o nosso, onde
vastíssimas são as conseqüências da revelia.
O
defeito em menção é suficientemente grave para permanecer, ao longo do
processo, imune a todas as preclusões, inclusive à maior delas, que é a
coisa julgada, ou, quiçá, para impedir que esta se constitua. Seja por uma,
seja por outra dessas razões, certo é que a lei permite erigir a correspondente
objeção mesmo no ulterior processo de execução daquela sentença, pela via
dos embargos. Isso significa que o vício sobrevive à sentença e à coisa
julgada, se é que esta se formou - porque o vício é também da sentença, como de toda a relação processual írrita. O
art. 741, I, do CPC protege, pois, o executado que fora revel no processo de
conhecimento onde não se lhe fizera citação válida.
Mas
o mencionado passo legal não é suficiente para amparar todos
os réus vencidos à revelia e sem atenção ao imperativo audietur et altera pars.
É preciso lembrar que nem todas as sentenças de procedência são passíveis
de execução ensejadora dos embargos, mas só as condenatórias; que o prazo
para embargar, mesmo havendo execução embargável, é peremptório e
preclusivo; que os embargos eventualmente podem sofrer rejeição por defeito
de forma ou de legitimatio ad processum;
que a sentença, mesmo exeqüível, talvez jamais venha a ser executada,
permanecendo sobre a cabeça do condenado qual espada de Dámocles, a
minar‑lhe o crédito, o bom nome e a tranqüilidade.
Isso
considerado, não se pode deixar de pensar em outras vias de dedução da
pretensão a que se ligam os embargos do art. 741, I, fora desses embargos.
A ação incidental de embargos do devedor, com tal fundamento, em verdade serve
de veículo a uma argüição de nulidade e não seria aceitável a limitação
de seu exercício a esse único e estreito caminho, posto na dependência de
tantas variáveis, algumas sujeitas ao arbítrio da contraparte. Sobre
admitir‑se que o prejudicado pela falta de citação instaure
"outro processo sobre a mesma lide irregularmente decidida",[17] o que implica afirmar
apenas a imunidade dele à sentença, cabe examinar a admissibilidade de
outros remédios, como a ação rescisória, a ação declaratória etc. Até
mesmo os embargos de terceiro já foram cogitados.[18]
5.
Não há consenso na doutrina em torno da natureza do vício de falta ou
nulidade da citação, no processo onde o citando vem a tornar‑se revel.
Sustentam alguns tratar‑se de inexistência da sentença, enquanto
outros vêem no caso nulidade pleno iure.
Não são de excluir‑se, de resto, situações especiais em que o
defeito melhor se identificaria como ineficácia -
segundo adiante se verá.
Talvez
a controvérsia em foco não tenha a importância que lhe atribuíram alguns
juristas,[19]
e pode ser até que a distinção entre ato inexistente e ato nulo pleno
iure careça de repercussões práticas. Salvo para os seguidores de
PONTES DE MIRANDA (em escassa minoria no particular) quanto a ser a ação de
nulidade de ato jurídico constitutiva e não declaratória, importa pouco, no
plano das conseqüências práticas, se a declaração judicial é de inexistência
ou de nulidade absoluta. Outrossim, cabe repetir, também a este propósito,
o anteriormente dito sobre as reservas com que hão de se acolher na teoria do
processo os critérios elaborados com vistas e referências no Direito
Material. Também e principalmente no tenebroso e movediço capítulo das
nulidades. É bem possível que se esteja a necessitar - permita‑se a insistência - de uma elaboração inteiramente nova da
teoria da validade dos atos processuais, liberta enfim dos conceitos (e
preconceitos) importados de outros ramos do Direito. A especificidade do
objeto do direito processual, sua instrumentalidade, a perspectiva
eminentemente teleológica pela qual se têm de mirar todas as suas regras e
moldar todos os seus princípios, a perturbadora realidade da res iudicata -
tudo está a exigir pelo menos um esforço nesse sentido.[20]
Mais: a distinção entre os casos de inexistência e nulidade plena é eriçada
de controvérsias e dificuldades tamanhas, sobretudo quando se trata de
traduzi‑las em exemplos, que a própria utilidade dela resulta
comprometida. Se bem que não se possa chegar a ignorá‑la por inteiro,
é possível reservar a sua consideração para os temas a cujo respeito se
haja demonstrado a necessidade imperiosa de tê‑la presente.[21]
Há, entretanto, motivos fortes para que,
mesmo manejando‑o com cautela máxima, o conceito de ato inexistente
seja admitido. Primeiro, tenha‑se em conta a terminologia do Código
de Processo Civil, que pelo menos uma vez (art. 37, parágrafo único) emprega
a expressão. Depois, considere‑se que determinados atos (ou fatos)
efetivamente não reúnem as condições mínimas de ingresso no mundo jurídico,
à parte aqueles outros que nem mesmo no sentido físico existem,
reduzindo‑se a aparências ou potencialidades. A "sentença"
proferida por quem não é juiz sentença não é; existe no mundo dos fatos
mas permanece juridicamente inexistente. A que o juiz elaborou in
mente e talvez até rascunhou, mas
por qualquer motivo não chegou a ditar ou redigir, nem mesmo teve existência
no sentido físico, não adquiriu sequer a aparência exterior de sentença.
Qualquer delas é inexistente.
Importante
é conservar‑se rigorosamente restrito e eminentemente
negativo esse conceito, segundo as prudentes recomendações da doutrina
mais autorizada. Algumas lições pertinentes merecem transcrição. Como
esta:
"...pelo
menos como meio convencional para designar a pura e simples inexistência
do ato, quando se depara com uma espécie de fato puramente ilusório, que
não chegou a dar vida a um ato qualquer e que por isso fica fora do âmbito
de valoração das categorias da validade e da invalidade. O ato
inexistente, por isso, deveria indicar uma realidade de fato que não
conseguiu penetrar no mundo do direito; trata‑se, pois, de um conceito
meramente negativo, criado para caraterizar a linha extrema da realidade jurídica,
cuja única razão de ser é eliminar do mundo do direito as manifestações
da realidade fenomenológica que absolutamente não sejam suscetíveis de
relevância ou de valoração jurídica, pelo menos para os efeitos que em
cada caso concreto são tomadas em consideração.”[22]
Ou esta outra, ainda sobre
inexistência do ato em sentido jurídico:
"A su respecto se puede hablar tan sólo
mediante proposiciones negativas, ya que el concepto de inexistencia es una
idea absolutamente convencional que significa la negación de lo que puede
constituir un objecto jurídico. (....) Una sentencia dictada por quien no
es juez no es una sentencia, sino una no
sentencia (Nichturteil).
No es un acto sino un simple hecho."[23]
O
ato dito inexistente, pois, é algo que se passa na ordem fenomenológica mas
não afeta a escala jurídica nem ingressa na sua pauta de valoração, ainda
que tenha assumido a aparência ou simulado os contornos e visos do ato jurídico,
com cuja exterioridade pode apresentar‑se.
Postos
esses critérios, a sentença de que se ocupa este ensaio existe, mas é
nula. É ato processual levado a cabo onde, quando, como e por quem devia
ser praticado, dentro de uma estrutura processual constituída (ainda que
irregularmente), portanto, existente, mas contaminado de vício que lhe é
originalmente externo: o processo mesmo que a gerou é radicalmente nulo,
pois a citação é requisito de sua validade
(CPC, art. 214). Ver‑se aí inexistência implicaria abertura
perigosa do conceito, a ponto de o tornar incontrolável, difuso e por isso
mesmo inservível a qualquer finalidade prática. Lembrando‑se de que
nulidade é a cominação legal para a espécie, não é demais repetir também
que a opção legislativa se tem de supor consciente, pois a noção de ato
inexistente foi igualmente contemplada pelo mesmo diploma normativo. A sentença
proferida sem citação válida encerra suficiente componência de
judicialidade para penetrar no mundo do direito, até porque o principio audietur
et altera pars não é absoluto, comportando exceções consagradas em
todas as legislações processuais modernas, bastando que se refiram as decisões
liminares e os procedimentos monitórios. Assim, o deficit
de que padece o processo onde não se fez citação hábil diz respeito à
validade, não à existência,[24] sem embargo do volume e
da autoridade das opiniões em contrário.[25]
Não deve impressionar o exemplo ad
terrorem do morto citado por edital, pois aí o caso é mesmo de inexistência
do processo e da sentença nele porventura proferida - mas não por defeito ou falta de citação;
sim por inexistência de uma das partes (tecnicamente, incapacidade de ser parte da pessoa natural que se extinguira pelo
óbito).[26]
6.
Cogitou-se até aqui da hipótese básica, esquematizada, da citação nula ou
omitida do réu único. Importa verificar agora a validade do que ficou
estabelecido para o caso de pluralidade de demandados.
Se o
litisconsórcio passivo é facultativo, ao autor fora licito, desde antes da
propositura da demanda, escolher entre adotá-lo ou não. Continua sendo livre
de abrir mão de alguma citação acaso não realizada ou mal efetivada, no
curso do processo, com vistas a agilizar sua tramitação, de modo que o
procedimento siga somente em face de um ou de alguns dos primitivos
demandados. Certo, essa desistência, tácita que seja, relativamente a alguns
dos réus, dependeria eventualmente da anuência daqueles outros já citados.
Mas, na perspectiva deste estudo, o ponto é irrelevante, eis que se está a
cogitar de processo onde já foi proferida sentença e, por hipótese, o
problema da concordância ou divergência quanto ao desistimento já foi
colocado e resolvido, por manifestação expressa ou por consentimento
silencioso.
Em
tais condições, não parece questionável a validade do processado, com base
na falta ou nulidade de alguma das citações. O problema
reduzir‑se‑á à identificação dos limites subjetivos da coisa
julgada no caso concreto, restritos às pessoas que efetivamente figuravam
como partes ao tempo do julgamento. Mas ainda aí não se deve olvidar a
possibilidade de tentativa de execução da sentença em face de quem não
fora citado, ou o fora nulamente, ao qual não se poderá negar acesso aos
embargos do art. 741, I -
nem, portanto, a alguma das outra vias que porventura correspondam, fora do
processo de execução e dos respectivos embargos, ao objetivo de
liberar‑se dela o executado.
Mais
complexo, porque tratado de modo especial pela legislação e pela doutrina,
é o caso do litisconsórcio passivo necessário em que algum dos
litisconsortes não tenha sido validamente citado. Sabendo‑se que,
obrigatória a litisconsorciação, a sentença carece de eficácia seja
quanto aos ausentes da relação processual, seja mesmo para os que a tenham
integrado (CPC, art. 47 e seu parágrafo), porque, na expressão consagrada, inutiliter
data,[27] parece livre de dúvida
que igual tratamento tem de ser dispensado ao caso de omissão ou invalidade
de alguma citação de litisconsorte necessário. Não importa, para esse
efeito, que a citação tenha ou não sido requerida; que o juiz a tenha
determinado, segundo o mesmo artigo, ou não; que haja ocorrido ou não alguma
controvérsia intraprocessual a respeito da necessidade dela: onde quer e
quando quer que se constate a omissão ou a invalidade da citação obrigatória,
a conseqüência se há de produzir com a mesma intensidade e com o caráter
automático que teria na formação e desenvolvimento do processo sem se haver
percebido a necessidade do litisconsórcio. Também não afeta a conseqüência
o tratar‑se de litisconsórcio necessário "por força de lei"
ou por inscindibilidade lógica do julgamento.[28]
A
necessidade do litisconsórcio passivo -
esta é a idéia que importa fixar -
significa também a necessidade da citação de todos os litisconsortes, sob a
mesma sanção do parágrafo citado. Desatendida essa necessidade,
apresenta‑se caso de "ineficácia absoluta" da sentença que
venha a ser proferida, porque essa é a opção legislativa nacional, isso
significando que não apenas os interessados cuja citação se omitiu, ou se
fez deficientemente, mas também os demais permanecem aptos a resistir à
"execução" (latissimo sensu,
significando imposição de efeitos) do julgado, pela via dos embargos, se cabíveis,
ou por outras que a essa eqüivalham, como adiante se há de ver.
7.
Com freqüência e autoridade preocupantes, afirma‑se que a sentença
nula pleno iure, tanto quanto a inexistente, seria impassível de rescisão,
porque a absoluta nulidade seria argüível a todo tempo, por qualquer pessoa
e sem submissão a qualquer requisito formal. É tempo de repetir, ainda uma
vez, que os critérios segundo os quais se faz a classificação dos vícios
dos atos jurídicos em geral não são bastantes, e talvez sequer sejam
bons, para os atos processuais e sobretudo para as sentenças. Quanto a
estas, não se pode perder de vista que o trânsito em julgado, fenômeno que
lhes é específico e exclusivo, tem uma potencialidade sanatória
igualmente peculiar e exclusiva. Esse específico poder de sanação
inerente à coisa julgada obriga a uma visão também diferenciada do problema
da validade.
É
preciso que se distingam, nessa linha de raciocínio, três graus de
estabilidade, ou de imodificabilidade, do julgado. Grau mínimo, na sentença
ainda recorrível, representativa da oferta, não ainda da entrega, da prestação
jurisdicional, sujeita à critica das partes e à reapreciação eventual de
outro órgão da jurisdição. Grau médio, na sentença já irrecorrível,
transitada formalmente em julgado, mas passível ainda, teoricamente ao menos,
de rescisão. E grau máximo no julgado que sequer pela via rescisória pode
ser mais atacado.
Os
motivos pelos quais se pode hostilizar a sentença na via recursal
coincidem em grande parte com os fundamentos invocáveis para pedir‑se a
rescisão das sentenças transitadas em julgado. Por outras palavras, as
causas de rescisão, integrantes de um numerus
clausus posto na lei, compreendem motivos de "mérito" e razões
de forma, muitos dos quais, antes de passar a decisão em julgado, seriam
igualmente motivos de pedir‑se sua "reforma". Os errores ocorrentes, in iudicando
ou in procedendo, que talvez
venham a ser apontados como base para o pedido rescisório, foram antes disso,
em grande parte, fundamentos possíveis para recorrer.
O
trânsito em julgado, pois, nada mais é do que técnica de estabilização,
mais atenta a necessidades práticas do convívio social do que a imperativos
de ordem estritamente jurídica ou de preservação do valor justiça. Não é
por outro motivo que se mostram tão insatisfatórias todas as tentativas
de justificar a coisa julgada em bases rigorosamente jurídicas, sem apelo a
considerações de ordem política. Ora, como técnica de estabilização,
voltada antes de tudo para o interesse da segurança e fixidez, não poderia
deixar de estender sua força preclusiva também às "nulidades" acaso
existentes mas não detectadas em qualquer instância. A imperiosa necessidade
de que os litígios findem algum dia, sobrepondo‑se a outros interesses
e valores, também supera a distinção acadêmica entre nulidade e
anulabilidade: uma e outra convertem‑se, indiferentemente, em
rescindibilidade, e ainda assim nos limites estreitos ditados pelas razões de
política legislativa. Com a passagem da sentença em julgado, em regra, as
nulidades absolutas ou relativas, propriamente ditas ou simples
anulabilidades, ou são de todo apagadas ou assumem a feição de mera
rescindibilidade. Essa idéia, posta em palavras inexcedivelmente claras e
por isso dignas de transcrição, foi assim exposta:
"A
nulidade do ato comporta consideração exclusivamente 'endo‑processual',
para que, pendente o processo ainda, o ato imperfeito (ou contaminado por
defeito anterior) receba a sanção consistente na anulação:
essa anulação só pode ser imposta mediante outro ato processual (o
que é caraterístico do sistema de nulidades em direito processual, que é
ramo do direito público). (...). As nulidades são vicissitudes da vida do
processo e perdem todo significado e razão de ser quando ele se extingue,
tornando‑se irrecorrível a sentença dada: com o trânsito em julgado,
a preclusão máxima que sobre ela se abate impede que qualquer questão
relevante para o processo ou seu resultado (sentença, seus efeitos) venha
ainda a ser proposta, ou reproposta. Trata‑se da eficácia preclusiva da
coisa julgada formal, expressa no art. 474 do Código de Processo Civil."[29]
Visto
o problema por esse ângulo, pode‑se dizer que a invalidade acaso
presente na sentença deixa de existir como tal a partir do seu trânsito em
julgado. Ou, com melhor expressão, "em regra, após o transito em
julgado (que, aqui, de modo algum se preexclui), a nulidade converte‑se
em simples rescindibilidade".[30]
Isso - cabe acrescentar - quando não desaparece de todo, sepultada
pela preclusão máxima, pois nulidades há que não sobrevivem à coisa
julgada formal sequer sob essa singular configuração de rescindibilidade e
extinguem‑se com o processo em cujo bojo se haviam manifestado: basta
que não estejam arroladas entre as causas de rescisão.
8.
Nem todos os defeitos do processo, entretanto, submetem‑se a essa
alternativa entre o desaparecimento e a sobrevivência sob a nova forma de
rescindibilidade. Como referido anteriormente, a excepcional gravidade da
falta ou nulidade da citação, seguida de revelia do demandado, conduziu
o legislador a uma solução única e altamente diferenciada para a anomalia.
A fim de permitir ao revel subtrair‑se aos efeitos de um julgamento
desfavorável lançado em processo ao qual foi ele de fato estranho, porque
suprimida a possibilidade de efetiva instauração do contraditório, assegurou‑se‑lhe
a faculdade de opor‑se à própria execução da sentença, pela via dos
embargos, sob invocação da falha ocorrida no processo de conhecimento.
Esse
o caminho normal de que dispõe o vencido, portanto, o único, aliás,
explicitamente mencionado na lei do processo. Mas, como também já foi
ponderado, o emprego possível desse remédio é consideravelmente limitado
por condicionantes que podem estar, inclusive, na dependência do arbítrio da
contraparte. Antes de tudo, é preciso que haja uma execução, envolvendo o
pressuposto de ser condenatória a sentença. E não se duvidará de que
julgados altamente gravosos para o revel possam ser meramente declaratórios
ou constitutivos: pense‑se, por exemplo, na sentença de divórcio ou
na negatória de paternidade. Em casos tais, e também quando o provimento
judicial seja exeqüível em estrito sentido mas nunca chegue a ser
efetivamente executado, a oportunidade para os embargos não se apresenta. Não
seria razoável, pois, limitar o exercício da pretensão veiculável segundo
o art. 741, I, a essa via manifestamente insuficiente e sujeita, de resto, a
um prazo curto e peremptório.
9.
Todas as considerações já alinhadas conduzem à conclusão de continuar
admissível no direito brasileiro contemporâneo a ação autônoma de
desconstituição da sentença proferida contra o revel não citado, que
representa a continuidade e a sobrevivência, pelo menos nessa limitada hipótese,
da querela nullitatis. Significa
isso que a postulação em juízo pela nulidade da sentença independe, no
caso, tanto de sua rescisão como do uso de embargos à execução, com algumas
conseqüências relevantíssimas. A primeira é a de não se precisar dirigir
a argüição a um juízo de grau ou hierarquia superior à do prolator da
sentença, mas a este mesmo. Outra é a de não se submeter a ação cogitada
ao curto prazo decadencial em que é proponível o pedido de rescisão.
A
absorção das velhas hipóteses de querela
nullitatis pela moderna ação rescisória, portanto, não se fez por completo
no direito brasileiro. O vício em causa continua a ser considerado
suficientemente grave para resistir a essa absorção, assim como resistiu à
eficácia sanatória da res iudicata.[31]
Como a doutrina, a jurisprudência tem consagrado a admissibilidade da querela
nullitatis sob essa forma moderna, tratando‑a como ação autônoma,
"ordinária" (no sentido de atípica, sem referência ao
procedimento) e declaratória. Merece particular atenção um antigo acórdão
paulista, por haver tratado com notável exatidão os temas envolvidos, ainda
sob a vigência do Código de Processo Civil de 1939. O enunciado principal da
ementa merece transcrito:
"Subsiste
em nosso direito, como último resquício da querela
nullitatis insanabilis, a ação declaratória de nulidade, quer mediante
embargos à execução, quer por procedimento autônomo, de competência
funcional do juízo do processo original. A sobrevivência, em nosso direito,
da querela nullitatis, em sua formação
primitiva, restrita aos vícios da citação inicial, corresponde a uma
tradição histórica, cujo acerto, na moderna conceituação da relação jurídica
processual, adquire flagrante atualidade. Na evolução do direito luso‑brasileiro,
a querela nullitatis evoluiu até os
contornos atuais da ação rescisória, que limitou a antiga prescrição
trintenária para o lapso qüinqüenal de decadência. Todos os vícios
processuais, inclusive os da sentença, uma vez transitada esta em julgado,
passaram a ser relativos e, desde que cobertos pela res iudicata, somente são apreciáveis em ação rescisória,
especifica à desconstituição do julgado. Um deles, porém, restou indene à
transformação
da querela nullitatis em ação rescisória: a falta de citação inicial, que
permaneceu como nulidade ipso iure,
com todo o vigor de sua conceituação absoluta de tornar insubsistente a própria
sentença transitada em julgado.[32]
A
mesma tese tem prevalecido no Supremo Tribunal Federal, dentre cujos arestos
sobre o tema pode ser destacado o seguinte, emitido por seu plenário e
contendo em alguns dos votos proferidos análise excelente do tema:
"Ação
declaratória de nulidade de sentença por ser nula a citação do réu
revel na ação em que foi proferida.
1.
Para a hipótese prevista no art. 741, I, do atual CPC -
que é a da falta ou nulidade da citação, havendo revelia -
persiste, no direito positivo brasileiro, a querela
nullitatis, o que implica dizer que a nulidade da sentença, nesse caso,
pode ser declarada em ação declaratória de nulidade, independentemente do
prazo para a propositura da ação rescisória, que, a rigor, não é a cabível
para essa hipótese."[33]
Esses
julgados, citados a título meramente exemplificativo, traduzem filiação
unânime dos tribunais pátrios aos pontos básicos da doutrina aqui
sustentada.
10.
A apontada sobrevivência da querela
nullitatis para a hipótese em foco, evidentemente, não significa só
por si a exclusão de outros remédios jurídico‑processuais voltados
para o mesmo objetivo. Desde logo, está apontada na lei a via dos embargos à
execução, na regra da qual, de certo modo, se infere tudo o mais que vem
sendo afirmado. Não falta, aliás, quem defenda a argüibilidade do vício
sob qualquer forma, como mero incidente, até mesmo "por simples petição".[34]
Interessa
particularmente indagar, por razoável a dúvida sobre o ponto e porque já
eventualmente questionado, da admissibilidade da própria ação rescisória
para o caso. Observe‑se, inclusive, que o citado aresto do Pretório
Excelso sugere certa reticência a respeito, verbis:
"...ação rescisória que, em rigor, não é a cabível para essa hipótese."
Anote‑se, mais, que alguns setores da doutrina rejeitam mais direta e
enfaticamente o cabimento da rescisória, sobretudo a partir da idéia de
tratar‑se de sentença inexistente
que por isso mesmo não precisa de rescisão nem a comporta, ou de que sua
nulidade seria pleno iure, dai
decorrendo a mesma conseqüência.[35] Mas, de outra banda,
pode‑se encontrar abundância de julgados que rescindiram sentenças
por esse fundamento, muita vez sem sequer discutir a admissibilidade do remédio.
E também essa admissibilidade, quando examinada como questão proposta, tem
inclinado pela afirmativa os pretórios, ao modo do que se pode também
constatar na doutrina.[36]
À
objeção segundo a qual não se pode rescindir, desconstituir, desfazer o
que não existe, facilmente se responde que o caso é de sentença existente,
embora nula. E à de ser igualmente impassível de rescisão o ato nulo de pleno
direito, porque desnecessária, igualmente se pode contrapor que a distinção
entre nulo e anulável, ou entre
nulidade absoluta e relativa, não tem a importância que lhe atribui a
doutrina presa aos critérios discretivos acadêmicos: os vícios da sentença,
mesmo os de nulidade dita pleno iure,
são primeiro alegáveis mediante recurso, mas o superveniente trânsito em
julgado em regra os transmuda em simples rescindibilidade, se é que não os
apaga de todo -
como já foi demoradamente analisado. Nula pleno
iure seria, à luz de todos os critérios consagrados, a sentença
proferida por juiz peitado, e isso não impede que ela abra o elenco das
rescindíveis, no art. 485, I, do CPC.
Não
se veja dificuldade, outrossim, em emoldurar a hipótese na casuística do
citado artigo. Seu inc. V tem espectro suficientemente largo para acolher a
espécie. Está amplamente vitoriosa na literatura e na jurisprudência de
hoje a tese da inclusão nesse prospecto legal das infrações à lei
processual,[37]
do que se chegou a duvidar em outros tempos. Ora, a sentença proferida à
revelia do réu cuja citação não se fez validamente, ou de todo não se
fez, é sentença lançada com afronta a literal disposição de lei.
Também o argumento por vezes invocado da
falta de interesse, capaz de conduzir à carência de ação, pode ser rebatido
sem maior dificuldade. A objeção seria esta: não se poderia explicar a
propositura da ação de rescisão, quando se sabe que o autor desta não se
acha de modo algum afetado pela sentença rescindenda, e portanto não se
beneficiaria de qualquer "utilidade" da sentença rescindente. Ora,
no fundo, o problema é ainda o da suposta "indiferença" da sentença
relativamente à parte cuja citação não se fez validamente. Ocorre que,
mesmo imune aos efeitos jurídicos dela,
podem ser inevitáveis os efeitos práticos sobre o crédito, o bom nome e a
tranqüilidade da pessoa em causa. O restabelecimento desses valores, que
sem dúvida são juridicamente relevantes e dignos da tutela jurisdicional,
representa utilidade suficiente para a configuração do interesse processual
no sentido chiovendiano.
Mesmo
que se questionem todos esses argumentos, de resto, permanece o fato de que
a jurisdição tende a ampliar a esfera de seu exercício, com gradativa
supressão das restrições existentes, na medida em que se a vê cada vez
mais como mecanismo de tutela de interesses, e não apenas como manifestação
do poder estatal. Aos indivíduos, aos grupos e ao próprio Estado convém que
o exercício do poder jurisdicional cubra a mais extensa gama possível de
conflitos a cuja solução seja adequado. Ora, se é verdade que, mesmo
duvidosa a presença do "interesse processual" no mais rigoroso
sentido que a doutrina dá à expressão, é certo que a parte tem beneficio a
extrair da sentença pretendida (no caso, a de rescisão), não há por que se
lhe fecharem as portas do pretório. Em atenção a essa ordem de considerações
relevantíssimas, e não somente "em obséquio ao principio da
instrumentalidade do processo", é que se tem "admitido a rescisória
como via hábil para a declaração da nulidade pleno
iure (v. g., quando nula a citação), segundo espécime
jurisprudencial recente e representativo de uma clara tendência.[38]
Não se trata, pois, de simplesmente admitir que, incidental ou
acidentalmente, nos autos de uma ação rescisória proposta com fundamento
outro, se venha a declarar a nulidade do processo anterior e, pois, da
sentença rescindenda, por falta ou nulidade da citação correspondente.[39]
Admissível é, isto sim, a propositura da ação rescisória com o especifico
objetivo de desconstituir aquela sentença, pelo referido motivo.
11.
À vista do exposto, não há por que limitar‑se ou condicionar‑se
o emprego de qualquer desses diversos remédios processuais segundo o momento
ou a eventual preclusão acaso ocorrida em relação a algum deles. Desde o
momento em que transita em julgado a sentença, o réu, que não foi
validamente citado e caiu em revelia, está habilitado a servir‑se da querela
nullitatis como ação "ordinária", declaratória e autônoma,
ou da ação rescisória, sem restrição alguma na escolha que exercerá
segundo sua melhor conveniência. Se, ao demais, a sentença está sendo
executada, e flui o prazo para os embargos do devedor, ajunta‑se a
essa alternativa dita ação incidental segundo o art. 741, I, do CPC. Esse
conjunto de "ações" (no impróprio mas usual sentido de remédios
jurídico‑processuais) se oferece ao interessado em típico
"concurso eletivo",[40]
sendo‑lhe lícito servir‑se indiferentemente de qualquer dos vários
remédios a cujo respeito não se haja consumado ainda alguma modalidade de
preclusão.
Não
cabe invocar‑se o art. 245 do CPC para excluir‑se o exercício da
ação rescisória, ou o da querela
nullitatis, tendo a parte perdido o prazo para embargar, quando cabível.
Essa preclusão é exclusivamente "endo‑processual", dizendo
respeito só à argüibilidade das nulidades no próprio processo onde
ocorreram.[41]
Menos ainda se haveria de supor que, após findar o prazo de decadência da
rescisória, também decairia a parte da ação de nulidade, o que implicaria,
na prática, reduzir‑se a hipótese a um caso a mais de rescisão.
Assim,
mesmo dispondo dos embargos (que, a toda evidência, em princípio lhe convêm
melhor, mercê de sua eficácia suspensiva da execução), a parte pode
preferir a ação rescisória (se não fluiu ainda o biênio decadencial) ou
a ação autônoma de nulidade. Esse concurso eletivo só deixará de existir,
portanto, quando se haja extinto ou não se haja aberto o prazo para
embargar e também o prazo decadencial do pedido de rescisão tenha‑se
esgotado. Isso ocorrendo, restará a querela de nulidade como via única
remanescente.
É
oportuno ponderar, contudo, que, como em regra ocorre nos concursos eletivos
de "ações", electa una via,
non datur regressus ad alteram. Portanto, veiculada a pretensão por
qualquer dos caminhos disponíveis (embargos, ação rescisória ou querela nullitatis), fecham‑se os demais.
12.
Se é exato o que ficou exposto, podem‑se estabelecer algumas conclusões
relevantes quanto aos temas discutidos.
a)
Quando se trata da validade de atos processuais, e em particular da sentença,
o esquema classificatório dos vícios fixado pela doutrina tradicional, se
aproveitável, tem de ser tomado com cautela, tendo‑se em cuidadosa
linha de conta a especificidade daqueles atos e sobretudo a eficácia sanatória
peculiaríssima da coisa julgada. Daí decorre que a distinção clássica
entre nulidade pleno iure, nulidade
relativa e anulabilidade perde relevo quando se fala da sentença transitada em julgado, pois desde então os vícios dela ou
desaparecem ou convertem‑se em simples rescindibilidade,
em regra.
b)
A essa sanabilidade faz exceção, por imperativo legal atento aos princípios
basilares do processo, a hipótese da sentença proferida à revelia do réu
que não fora citado, ou cuja citação fora nula. Em tal caso, a sentença
existe, mas é nula, podendo ser sua invalidade declarada mediante querela
nullitatis, assim como pode ser rescindida segundo o art. 485, V, do CPC,
ou ainda neutralizada em sua execução pela via dos embargos do executado
(CPC, art. 741, I).
c)
Essas diferentes vias de manifestação da pretensão do revel não citado ou
mal citado correspondem em realidade a uma ação de nulidade, ou querela
nullitatis, que, portanto,
para o caso e com caráter excepcional, sobrevive no direito brasileiro
atual.
d)
O concurso de remédios jurídico‑processuais é eletivo, dispondo o
interessado de qualquer deles, à sua escolha, enquanto não ocorra a respeito
de cada qual alguma forma de preclusão.
(Março
de 1987)
BIBLIOGRAFIA
ALVIM, Arruda -
Manual de Direito Processual Civil, v. II, São Paulo, 1978.
ARAGÃO, E. D. Moniz de - Comentários
ao Código de Processo Civil, v. II, 4ª ed., Rio de Janeiro, 1983.
BARROS, Hamilton Moraes e - Comentários
ao Código de Processo Civil, v. IX, Rio de Janeiro, 1974.
CALAMANDREI, Piero -
La cassazione civile, v. VI e VII das Opere Giuridiche, Nápoles, 1976.
-----
"Cassazione civile", verbete no Nuovo
Digesto Italiano, v. II.
CASTRO, Amílcar de -
Comentários ao Código de Processo Civil, v. VIII, São Paulo,
1974.
COSTA, Alfredo Araújo Lopes da
- Direito
processual civil brasileiro, 2ª ed., Rio de Janeiro, 1959.
COSTA, Moacyr Lobo da -
A revogação da sentença ‑ perfil histórico, separata
da Revista da Faculdade de Direito de São
Paulo, v. LXXII, 2º fascículo.
COUTURE, Eduardo J. -
Fundamentos del derecho procesal civil, Buenos Aires, 1975.
DALL'AGNOL JR., Antônio Janyr - Comentários
ao Código de Processo Civil, v. III, Porto Alegre, 1985.
DINAMARCO, Cândido Rangel - "Notas" à edição brasileira do Manual
de Direito Processual Civil de E. T. Liebman, Rio de Janeiro, 1984.
-----
Litisconsórcio, São Paulo, 1984.
-----
Fundamentos do processo civil moderno, 2a ed., São Paulo, 1987.
FURTADO, Paulo -
Execução, São Paulo, 1985.
GRECO Fº, Vicente -
Direito processual civil brasileiro, 2º vol. São Paulo, 1984.
GRINOVER, Ada Pellegrini - Direito
processual civil, São Paulo, 1974.
GUIMARAES, Luiz Machado - Limites
objetivos do recurso de apelação, Rio de Janeiro, 1961.
JOBIM, Nelson -
"A sentença e a preterição de litisconsorte necessário", in AJURIS, nº 28,
p. 32.
KOMATSU, Roque, e SANSEVERINO,
Milton - A citação
no direito processual, São Paulo, 1977.
LACERDA, Galeno -
Despacho saneador, Porto Alegre, 1953.
LIEBMAN, Enrico Tullio - Processo
de execução, 4ª ed., São Paulo, 1980.
-----
Estudos sobre o processo civil brasileiro, São Paulo, 1947.
-----
Manual de direito processual civil, trad. Cândido Dinamarco, v. I,
Rio de Janeiro, 1984.
-----
"Notas" às Instituições de
direito processual civil de Chiovenda, 2ª ed. brasileira, São Paulo,
1965.
MARQUES, José Frederico - Manual
de direito processual civil, v. 3, São Paulo, 1976.
MARTINS, Pedro Batista - Comentários
ao Código de Processo Civil, v. III, Rio de Janeiro, 1940.
MÉNDEZ, Francisco Ramos - Derecho
procesal civil, Barcelona, 1980.
MIRANDA, F. C. Pontes de - Tratado
da ação rescisória, 5ª ed., Rio de Janeiro, 1976.
-----
Tratado de Direito Privado, tomo 4, 2ª ed., Rio de Janeiro, 1954.
-----
Comentários ao Código de Processo Civil (de 1973), 2ª ed., Rio de
Janeiro, 1979.
MOREIRA, J. C. Barbosa - Comentários
ao Código de Processo Civil, v. V, 5ª ed., Rio de Janeiro, 1985.
MOURA, Mário Aguiar -
Embargos à execução, 4ª ed., 2ª tir., Rio de Janeiro,
1987.
NEVES, Celso -
Comentários ao Código de Processo Civil, v. VII, 2ª ed., Rio de
Janeiro, 1984.
NILSSON, Jurandyr -
Nova jurisprudência de processo civil, v. II, São Paulo,
1976.
PACHECO, José da Silva - Direito
processual civil, São Paulo, 1976.
-----
"Nulidade processual", verbete no Repertório
Enciclopédico do Direito Brasileiro,
v. XXXIV.
PASSOS, J. J. Calmon de - Comentários
ao Código de Processo Civil, v. III, 4ª ed., Rio de Janeiro, 1983.
PAULA, Alexandre de -
O processo civil à luz da jurisprudência ‑ nova serie, v.
IV, Rio de Janeiro, 1983.
PINTO, Nélson Luiz -
Ação de usucapião, São Paulo, 1987.
REZENDE Fº, Gabriel José
Rodrigues de - Curso
de Direito Processual Civil, v. I, 9ª ed., São Paulo, 1968 (corrigida e
atualizada por Benvindo Aires).
SANSEVERINO, Milton -
v. KOMATSU, Roque.
SANTOS, Moacyr Amaral -
Primeiras linhas de direito processual civil, v. I, 5ª ed., São
Paulo, 1987.
SANTOS, Ulderico Pires dos - O
processo de execução na doutrina e na jurisprudência,
Rio de Janeiro, 1986.
SATTA, Salvatore -
Diritto processuale civile, Pádua, 1951.
SILVA, Antônio Carlos da Costa
e - Tratado
do processo de execução, 2ª ed., Rio de Janeiro, 1986.
SILVA, Ovídio A. Batista da - Curso
de processo civil, v. I, Porto Alegre, 1987.
TEIXEIRA, Sálvio Figueiredo - Código
de Processo Civil anotado, 3ª ed., Rio de Janeiro, 1986.
THEODORO JR., Humberto - Curso
de Direito Processual Civil, v. I, Rio de Janeiro, 1985.
-----
Processo de conhecimento, 2ª ed., Rio de Janeiro, 1981.
-----
A execução de sentença e a garantia do devido processo legal
(tese), Rio de Janeiro, 1987.
-----
"Nulidade, inexistência e rescindibilidade da sentença", in Revista de Processo,
nº 19, p. 23.
TUCCI, Rogério Lauria -
"Ação rescisória", in Da ação
e do processo na teoria e na prática,
São Paulo, 1978.
VIDIGAL, Luiz Eulálio de Bueno
- Da ação
rescisória de julgados, São Paulo, 1948.
-----
Comentários ao Código de Processo Civil, v. VI, São Paulo, 1974.
ZANZUCCHI, Marco Tullio - Diritto
Processuale Civile, v. II, 5ª
ed., Milão, 1955.
[1]
Dificilmente algum autor, entre os nacionais, terá sido mais rigoroso e
preciso, a propósito da separação entre os planos da existência, da
validade e da eficácia, do que PONTES DE MIRANDA, v.
g., nos Comentários ao Código de
Processo Civil (de 1973), t. III, p. 449 e s. e no Tratado
de direito privado, t. 4, p. 3‑6 e passim.
[2]
BARBOSA MOREIRA, Comentários ao Código
de Processo Civil, v. V., p. 113 (5ª ed., 1985).
[3]
Cf. MONIZ DE ARAGÃO, Comentários ao
Código de Processo Civil, v. II, p. 338 (4ª ed., 1983).
[4]
BATISTA MARTINS, Comentários ao Código
de Processo Civil, v. III, p. 232 e s. Aparentemente, também MORAES E
BARROS, Comentários ao Código de Processo Civil, v. IX, p. 428.
[5]
Dizer‑se que o ato nulo "não produz efeito algum" é
"afirmação de pequeno alcance no direito processual, porque, mesmo
nulos, produzem efeitos normais até serem invalidados..." (MONIZ DE
ARAGÃO, Coment. e v. cit., p.
340. A inadequação do binômio clássico nulidade‑anulabilidade ao
ato processual e sobretudo à sentença conduz a equívocos como o do exímio
especialista BUENO VIDIGAL, que viu na rescisória uma declaratória de
nulidade (Da ação rescisória de julgados, p. 16). Mas o mesmo autor classifica
a ação, corretamente, como constitutiva, em seus Comentários ao Código de Processo Civil, v. VI, p. 39 e 227.
[6]
Vira‑o já GALENO LACERDA, Despacho
saneador, p. 69 - provavelmente a primeira e ainda a melhor
sistematização da matéria na literatura nacional.
[7]
BARBOSA MOREIRA, Coment. e v. cit.,
p. 294.
[8]
"Do exame das fontes não resulta que a r. i. i. tivesse tido aplicação
contra o julgado nulo, mas, tão somente, contra os efeitos iníquos de
julgados formalmente válidos. O fundamento da restitutio
praetoria é sempre a eqüidade. Nem a nulidade formal, nem a injustiça
substancial..." (LOBO DA COSTA, "A revogação da sentença -
perfil histórico", in Revista
da Faculdade de Direito de São Paulo, v. LXXII, 2° fascículo, p. 201
e s.
[9]
Por isso, não se pode estabelecer correlação rígida entre recurso e
injustiça da decisão, de um lado, e ação impugnatória e vício formal,
de outra banda, como, entre outros, pretendeu ZANZUCCHI, Diritto
processuale civile, v. II, p.
175 e s. (5a ed., 1955). Cf., sobre isso e o mais que vem sendo exposto, a
excelente resenha histórica feita por CALAMANDREI,
La cassazione civile (v. VI e VII das Opere
giuridiche) -
ou, mais abreviadamente, no verbete Cassazione
civile do Nuovo Digesto Italiano,
v. II. Cf., outrossim, LIEBMAN, nota 4 às Instituições
de CHIOVENDA, v. III, p. 200; MACHADO GUIMARÃES, Limites objetivos do recurso de apelação, p. 50.
[10]
Anotando a constatação, BARBOSA MOREIRA observa, entretanto, que a ZPO da
Alemanha Oriental, de 1975, abandonou esse padrão ao reunir as hipóteses
sob o nome e a disciplina unificada de revisão (Coment.
e v. cit., p. 107, nota 147).
[11]
A idéia foi assim excelentemente exposta por RAMOS MENDEZ, que se rebela
contra a inclusão da revisión
espanhola (na verdade, uma rescisória) entre os recursos: Derecho
Procesal Civil, p. 737.
[12]
A sentença reformada é
substituída por outra, de teor diverso, emitida pelo juízo ad
quem; a sentença anulada (ou
declarada nula) é suprimida do mundo jurídico pelo órgão recursal, e
deve ser substituída por outra no juízo a
quo ou por outro do mesmo grau; a sentença cassada
é simplesmente suprimida, sem que nada a substitua, como no caso de
haver sido proferida prematuramente.
[13]
Retro, nota 5.
[14]
Pode‑se certamente pensar em outras "formas não recursais de
impugnação às sentenças e acórdãos". OVIDIO BAPTISTA DA SILVA -
quem cunhou essa designação genérica -
por exemplo, alinha: uniformização de jurisprudência, reexame necessário,
correição parcial, avocatória (RISTF, art. 252),
reclamação (RISTF, art. 156), mandado
de segurança, embargos de terceiro, ação cautelar inominada, e habeas
corpus (Curso de processo civil,
v. I, p. 408 e s.). Mas tais cogitações situam‑se, por certo, fora
do círculo de idéias a que se atém o presente estudo.
[15]
Cf. ANTONIO JANYR DALL’AGNOL JR., Comentários
ao Código de Processo Civil, v. III, p. 262.
[16]
MILTON SANSEVERINO e ROQUE KOMATSU, A
citação no direito processual, p. 36.
[17]
HUMBERTO THEODORO JR., A execução de sentença e a garantia do devido
processo legal, p. 240.
[18]
Por THEODORO JR., op. e loc. cit. Mas não parece acolhível a sugestão,
aparentemente embasada em confusão entre os conceitos de parte em sentido
de direito material e em acepção de direito processual. Citado ou não,
o réu foi parte no processo desde o momento em que contra ele se voltou a
demanda.
[19]
Veja‑se, por exemplo, a critica ácida de PONTES DE MIRANDA a BUENO
VIDIGAL, em um dos raros momentos em que abandonou sua olímpica indiferença
pela literatura nacional (Coment.
cit., t. VI, p. 250).
[20]
Alinha‑se com essa idéia a interessante sugestão de CALMON DE PASSOS
para subordinar‑se todo o capítulo das nulidades processuais, em visão
rigorosamente teleológica, aos "fins de justiça do processo" (Comentários
ao Código de Processo Civil, v. III, p. 443 e s. da 4a ed., de 1983),
segundo já propunham SATTA (Diritto
processuale civile, n° 112) e ZANZUCCHI (op. cit., p. 409). A crítica
abalizada de MONIZ DE ARAGÃO (Coment.
e v. cit., p. 336) quanto ao demasiado subjetivismo do critério tem sua razão,
mas o filão aberto merece exploração mais profunda.
[21]
Como, por exemplo, ARRUDA ALVIM,
Manual de Direito Processual Civil, v. II, p. 157, contentando‑se
com afirmar que a sentença "não terá valor jurídico". Ou
LIEBMAN, ao dizer que o vício "torna radicalmente nulo,
juridicamente inexistente o processo, igualmente nula e inexistente a
sentença proferida". (Estudos
sobre o processo civil brasileiro, p. 185). E, no entanto, o mesmo
LIEBMAN preocupou‑se alhures em fixar com rigor o conceito de inexistência
(adiante, nota 22).
[22]
LIEBMAN, Manual de Direito Processual
Civil, tradução Dinamarco, v. I, p. 627‑8, n° 124.
[23]
COUTURE, Fundamentos del derecho procesal civil, p. 377.
[24]
Assim, entre outros, PONTES DE MIRANDA, Coment.
cit., t. XI, p. 94, além da passagem citada à nota 19 e várias outras;
BARBOSA MOREIRA, Coment. e v.
cit., p. 112; BUENO VIDIGAL (este algo confuso e contraditório), Comentários
ao Código de Processo Civil,
v. VI, p. 36‑9, n. 27 a 29, e Da
ação rescisória de julgados,
p. 16; CELSO NEVES, Comentários ao Código
de Processo Civil, v. VII, p. 254; HUMBERTO THEODORO JR., A execução... cit., p. 240; idem, Curso de Direito Processual Civil, v. I, p. 312; DALL'AGNOL JR., Comentários
ao Código de Processo Civil, v. III, p. 262; JOSÉ DA SILVA PACHECO, Direito
Processual Civil, p. 429;
idem, verbete "Nulidade processual", no Repertório
Enciclopédico do Direito
Brasileiro, XXXIV; ANTÔNIO CARLOS COSTA E SILVA, Tratado
do processo de execução, 2° v. p. 1341 (2ª ed., 1986); ULDERICO
PIRES DOS SANTOS, O processo de execução
na doutrina e na jurisprudência,
p. 476; FREDERICO MARQUES, Manual de
Direito Processual Civil, v. 3, p. 233 ; MÁRIO AGUIAR MOURA, Embargos à Execução, p. 216 (4ª ed., 2ª tir., 1987).
[25]
Entre outros, sustentam a inexistência dessa sentença, com firmeza e
convicção, MONIZ DE ARAGÃO, Coment.
e v. cit., p.339; AMÍLCAR DE CASTRO, Comentários
ao Código de Processo Civil, v. VIII, p. 393; COSTA E SILVA, Tratado
e v. cit., p. 1341; VICENTE GRECO F°, Direito
Processual Civil Brasileiro,
v. 2, p. 364; NÉLSON LUIZ PINTO, Ação
de Usucapião, p. 81. Em
alguns passos, também LIEBMAN, como em
Processo de Execução, p. 218 (4ª ed., 1980) e em "Parecer" in Revista dos Tribunais, v. 152, p. 443, depois incluído nos Estudos
sobre o processo civil brasileiro, p. 186; CÂNDIDO DINAMARCO, nota 167
do tradutor ao Manual de Direito Processual Civil de Liebman; BUENO VIDIGAL, Da
ação rescisória cit., p. 33; idem, Coment.
e v. cit., p. 218.
[26]
O exemplo é de MONIZ DE ARAGÃO, op. e loc. cit. à nota 25.
[27]
Tenham‑se em conta, porém, importantes ressalvas e objeções como
as de DINAMARCO, Litisconsórcio, p. 196 e s., e NELSON JOBIM, "A sentença e a
preterição de litisconsorte necessário", in AJURIS, n° 28, p. 32.
[28]
A distinção foi sugerida por JOBIM, art. cit., para limitar a ineficácia
à segunda classe. Mas não parece procedente a distinção. O próprio
exemplo da ação de usucapião, com o qual se ilustrou a tese em menção,
contém a inaceitável idéia de que a aquisição por usucapião estaria
declarada por sentença com plena eficácia, relativamente a alguns
confrontantes (citados), mas não em face de outros (não citados). Ora, a
natureza mesma do instituto da usucapião impõe a eficácia (ou ineficácia)
erga omnes. Sem radicalizar,
THEODORO JR. também parece sugerir tratamento diferenciado (verbis
"...mormente quando, alem de necessário, tratar‑se de
litisconsorcio unitário...") no seu excelente estudo sobre
"Nulidade, inexistência e rescindibilidade da sentença", in Revista de Processo, n. 19, p. 23.
[29]
DINAMARCO, Litisconsórcio, p.
196.
[30]
BARBOSA MOREIRA, Coment. e v. cit.,
p. 111; LIEBMAN, Manual e v. cit.,
p. 266; ROGÉRIO LAURIA TUCCI, "Ação rescisória", in Da ação e do processo civil na teoria e na prática, p. 26.
[31]
COSTA E SILVA, Tratado e v. cit.,
p. 1341; SILVA PACHECO, "Nulidade processual" cit.; PONTES DE
MIRANDA, Coment. cit., t. XI, p.
92‑3, com amplíssima ilustração bibliográfica dos velhos praxistas
e decisionistas; CELSO NEVES, Coment.
e v. cit., p. 256; LIEBMAN, "Nulidade da sentença proferida sem a citação
do réu", in Estudos cit., p.
181 e s.; idem Processo de execução cit.,
p. 217.
[32]
4ª Câm. Civ. do Trib. Alç. de S. Paulo, in
Rev. dos Trib., vol. 386, p. 211.
[33]
Ac. un. do Tribunal Pleno, no RE 97.589‑ó‑SC , julg. em
17.11.82, Rel. Min.
MOREIRA ALVES, in LEX‑JSTF,
v. 56, p. 177. Cf.
tb. RTJ‑STF, 110/210,
104/826 e 107/778.
[34]
Cf. ARRUDA ALVIM, Manual cit., v.
II, p. 157.
[35]
35. Assim, THEODORO JR., "Nulidade, inexistência...” cit. à nota
28, p. 28: "O que não será correto é pronunciar julgamento com o
sentido de rescisão de sentença nula ou inexistente." É visível o
condicionamento a que já aludimos ao rígido esquema classificatório acadêmico
dos vícios, com invocação de ensinamento de PONTES DE MIRANDA - autor que, entretanto, admite a rescisória para a hipótese (adiante, nota 36). Também,
em termos ainda mais definitivos, COSTA E SILVA, Tratado e v. cit., p. 1341.
[36]
Assim, como antes referido, PONTES DE MIRANDA, para quem a rescisória
apenas deixa de ser a única via
aberta para a desconstituição, sendo, portanto, uma delas (Coment. e t. cit., p. 94). Também ARRUDA ALVIM, Manual
e v. cit., p. 157; MONIZ DE ARAGÃO, Coment.
e v. cit., p. 338; GRECO F°, Direito
Processual... e v. cit., p. 364.
[37]
Cf. BARBOSA MOREIRA, Coment. e v.
cit., p. 133; PONTES DE MIRANDA, Coment.
cit., t. VI, p. 303 e s.; idem, Tratado
da ação rescisória, § 24, p. 303; DINAMARCO, Litisconsórcio
cit., p. 236; TORNAGHI, Comentários
ao Código de Processo Civil, v.
I, p. 220; FREDERICO MARQUES, Manual
de Direito Processual Civil, v. 3, p. 261; THEODORO JR., Processo de conhecimento, v. 2, p. 807. Contra, BUENO VIDIGAL, Da
ação rescis... cit. p. 58‑9; idem, Coment.
e v. cit., p. 100‑3, seguido por ADA PELLEGRINI GRINOVER, Direito
Processual Civil, p. 165; LOPES DA COSTA, Direito Processual Civil Brasileiro, v. III, p. 453. A ampla adesão
da jurisprudência à tese do texto pode ser conferida em ALEXANDRE DE PAULA,
O processo civil à luz da jurisprudência (nova série), v. IV, números
8.553, 8.568, 8.573, 8.573‑A e 8.550 (p. 330 a 336) e em JURANDYR
NILSSON, Nova jurisprudência de
processo civil, v. II, números 543 e 546 (p. 589 a 591) .
[38]
Ação rescisória nº 853, Trib. de Just. de Minas Gerais, julgada em
20.11.85, apud SÁLVIO FIGUEIREDO TEIXEIRA,
Código de Processo Civil anotado, p. 217 (3ª ed., 1986).
[39]
É o que sugere, em tom de concessão, THEODORO JR. (v. nota 35).
[40]
Cf. AMARAL SANTOS, Primeiras linhas de
direito processual civil, v. 1, p. 160‑1; GABRIEL REZENDE F°, Curso
de direito processual civil, v
. I, p . 17 8‑9.
[41]
Poder‑se‑ia extrair a inferência, contudo falsa, da leitura de
PAULO FURTADO, Execução, p. 294.
Home | Advogados | Clientes | Currículo | Artigos | Obras | Contato | Links | Utilitários